"Durante décadas, os agricultores da Cova de Beira reclamaram o regadio. Quando o regadio foi, e bem, uma realidade, os agricultores da Cova da Beira estavam na terceira idade e os filhos destes tinham migrado para as cidades, deixando os campos sem gente e sem ambição. (…)"
Jorge Seguro Sanches a propósito das medidas recentes de benefício fiscal a pequenas e médias empresas sedeadas no interior do país.
O problema do custo de oportunidade, do atraso de décadas do regadio (já concluído) e do emparcelamento (ainda empastelado em uma parte da Cova da Beira por culpa do Estado e de "velhos senhores" das terras) está no efeito de histerese (abuso da expressão um pouco admito): hoje, 2007, eu, filho de filhos de agricultores, ainda plenamente activo, como me convencerei a migrar "de regresso" ou sequer a investir por lá?
Os presentes incentivos trarão outros?
Não é retórica, é pergunta genuína que me vou fazendo por estes dias.
As bizarras políticas agrícolas comunitárias, os jogos de cintura em torno dos subsídios sempre erráticos, o desinvestimento infraestrutural (e não falo das estradas) que se vem acumulando em prol da eficiência fiscal, a fragilidade das organizações de agricultores existentes, a quase ausência de vantagens comparativas face a qualquer outro comum mortal (o conhecimento agrícola e local (do terreno) perdeu-se ou está em vias disso) constituem um histórico de peso que dificilmente se combate.
O que vejo na Benquerença, particularmente, é o mercado a funcionar de um forma inusitada (mas que vem nos manuais): um especulador compra terras a esmo a quem está incapaz de lhe retirar sustento ou sequer de lhe reconhecer o real valor económico. Aos poucos, à sua maneira vai emparcelando serras e vale, substituindo-se ao Estado. Enriquecerá (enriqueceu) mas, talvez, quem sabe, venha no futuro a ser parte da solução. Ainda que a "massa crítica" de empresários produtivos provavelmente venha do país vizinho.
Agradecem-se os benefícios fiscais mas a angústia não desaparecerá assim. E em jeito de recomendação para o governo, mais que para o deputado, o sublinhado de que há ainda muito para cumprir, que este seja um bom tónico e não um alívio de consciência.
Uma coisa é certa, por pouco que se faça, muito se notará, principalmente nos mais pobres e despovoados concelhos do país. E esta sina é também um incentivo que me leva a continuar a recusar a retórica quando pergunto: e tu, filho de filhos de agricultores, ainda plenamente activo, como te convencerás a migrar "de regresso" ou sequer a investir por lá?
Adenda: a ler (e deixando uma boa pergunta no final) o artigo de Helena Garrido "Benefícios fiscais no interior"