Para quem quer ler pouco:
A propósito da inscrição que encontrei no meio de uma exposição que nos acompanha pelas ameias de Ã?vila e que aqui reproduzi com um breve comentário no passado dia 7 em “Detalhes de Férias – Ã?vila e a Construção Colectiva”, o ABRUPTO ligou o detector de tiradas “politicamente correctas” e apresenta-nos um sublinhado que nos aviva a memória para a inexistência histórica de uma muralha de Ã?vila resultante de um esforço colectivo de cristãos, judeus e árabes. Pois que não é para âcomemorar a amizade entre os povos e religiõesâ? nem para celebrar â a sociedade sem classes (os âhomens livresâ? e os âservosâ? que nela trabalharam)â? que se constróem muralhas. JPP termina sublinhando que esta forma de pensar é “pateta e perigosa”.
Assim postas as coisas quem se atreve a discordar…
Quando li as palavras de bronze pela primeira vez lá no alto das muralhas não me alarmei com uma eventual verborreia propagandÃstica. O local onde estava, além de ter sido um muito relevante instrumento militar, foi e é ainda hoje um exemplo notável do engenho humano. “Vi” também que ao longo da sua reconstrução e nos anos seguintes (já existira nos tempos do Império Romano), houve contributos de árabes, judeus e cristãos para a sua concretização. Objectivamente, houve indivÃduos das três confissões que de livre vontade povoaram a região com o acordo dos vencedores do momento e, também objectivamente, conseguiram produzir o exemplo magnÃfico do engenho humano que ainda hoje testemunhamos.
à verdade que com a mesma objectividade “Avila se habÃa convertido en una de las principales defensas de la cristiandad frente al invasor musulmán. “.
à verdade, também, que séculos passados existiu a santa inquisição e a perseguição e expulsão dos judeus. à até verdade que foi em Ã?vila que repousaram os restos mortais de Torquemada. Mas é igualmente verdade que nem no século XI havia demasiadas certezas quanto ao inimigo ao ponto de podermos hoje encontrar esta contradição aparente de se fazer a guerra ao muçulmano admitindo em certas condições conviver simultaneamente com ele. Seriam as muralhas de Ã?vila o que são sem os pedreiros árabes ou sem os ferreiros judeus? Era tão só essa a resposta que julgava encontrar naquelas palavras de bronze. Estávamos na presença de um colectivo fraterno marcado por um ecumenismo idÃlico? Não sei, sei que algo se conquistou nesse sentido, algo que muito significativamente se veio a perder depois. Julgo que foi esse sublinhado de uma fracção mais positiva do legado histórico que vi exaltado naquelas palavras e foi exactamente isso que me inspirou com a honestidade de recordar âEntre as memórias mais negras do tempo dos homens que por ali deixaram vida encontram-se os ecos do passar dos inquisidores, dos autos de fé, de superlativos “comandantes”. As outras “muralhas”, portanto. Faltou-me talvez sublinhar de forma mais impressiva o Al-Andaluz e a reconquista. Em suma, prefiro sublinhar esse pedaço da história e guardá-lo como possÃvel o que não me vincula a resumir a isso o meu livro de história.
Para quem quer ler mais um pouco:
Nas muralhas de Ã?vila lembrei-me do que conheço do nosso paÃs pelas alturas do inÃcio da nação. Lembrei-me das imensas tonalidades de cinzento por que (também) se pautava a polÃtica daquelas eras. Lembrei-me das alianças estratégicas entre vencidos e vencedores – veja-se o exemplo dos árabes (futuros saloios) que permaneceram nos arrabaldes de Sintra após a conquista de Lisboa e que objectivamente ajudaram à implantação do reino cristão – ou mesmo das alianças entre inimigos de fé que pontualmente surpreendiam uma terceira parte inimiga natural de uns, mas amiga de outros – quantas vezes se aliou Castela ao Mouro para conter as intenções expansionistas do nosso primeiro Afonso e vice-versa?
Nem sequer a reconquista foi um processo linear, simplista, do bem contra o mal, tal como a inquisição não encontrou os judeus acabados de sair de Israel com o sangue de cristo nas mãos. Algures pelo meio de tempo da história também houve um tempo para um esforço colectivo que, convenções semânticas à parte, encerra memórias positivas. Descontando a hipótese da absoluta ingenuidade do receptor, destacar esse “bom exemplo” dos anais da história é tão estúpido e perigoso como recordar apenas o som de espadas e alfanges.
E que melhor exemplo temos nos dias de hoje, sobretudo hoje!, para os espantosos exemplos do engenho humano que aqueles que vêem do melting pot dos Estados Unidos da América? O mesmo sÃtio de onde se poderão formar algumas das memórias mais negras do tempo dos homens se não se investir também no compromisso de procurar a amizade entre os povos e religiões.
Já agora deixo-vos mais alguns detalhes da muralha que assim acabam por vir a propósito.
“Hecha la muralla se necesitaba poblar, gobernar y organizar la defensa de la ciudad y la región. Las distintas clases y oficios fueron las que formaron los barrios de la ciudad. Nobles con sus mesnadas, judios, árabes, molineros, labradores, canteros etc. se repartieron el territorio amurallado y sus proximidades, ocupando una zona concreta de la ciudad. Se formó un ejército de 300 jinetes, y para la defensa de las aldeas y pueblos de la comarca otro de 200.
Pronto estos ejércitos se hicieron famosos por su valentÃa y arrojo en la lucha contra los musulmanes. Grandes jefes los dirigieron y pasaron a la historia, como Nalvillos al cual denominaban “Cid de Avila” e incluso “Rey Nalvillos”. Era tal la destreza, valentÃa y fidelidad de los caballeros de Avila, que lucharon en innumerables batallas en toda la penÃnsula al servicio del Rey e hicieron que la ciudad posea los tÃtulos reales de “AVILA DEL REY”, “AVILA DE LOS CABALLEROS” y “AVILA DE LOS LEALES”. in Avila Net