Muito sintomático o Editorial de hoje de Eduardo Dâmaso no Público de hoje.
Começa assim:
“A indigitação de Santana Lopes [poder-se ia ler aqui Jorge Coelho ou António José Seguro ou mesmo António Guterres] para primeiro-ministro é a expressão máxima do triunfo dos aparelhos partidários sobre as regras democráticas mais elementares. à a vitória dos pragmáticos do poder sobre os idealistas que partem das velhas referências de valores, competência, conhecimento, ideias”
E fecha assim:
“A culpa de [Durão Barroso, Paulo Portas e Santana Lopes] estarem no poder não é deles. à de todos os que não os souberam combater nos últimos dez anos dentro das regras democráticas.”
O diagnóstico de Eduardo Dâmaso, que de certa forma venho fazendo por aqui, vai singrando como um facto adquirido, uma constante e aparente inevitabilidade. O seu texto acrescenta-nos a angústia e, para quem já tiver predisposição, a sensação de completa impotência para mudar as coisas. à o problema eterno dos mensageiros.
No fundo, Eduardo Dâmaso critica uma certa elite que fala de cátedra, no artigo de opinião, no sofá, ou ao teclado do computador, talvez num blogue, que não suja as mãos entre o aparelho, entre as bases. Por vezes nem sequer se filia.
Critica estas (pseudo?) referências polÃticas que não passam de meros adereços utilitários ao aparelho em jeito de pastilha elástica.
De seguida, elogia o pragmatismo dos polÃticos aparelhÃsticos orientados pelo interesse pessoal, a personalização do produto final dos próprios aparelhos. Reconhece-lhes a ascensão à custa das regras democráticas mais elementares mas no final pede à elite bem pensante que saiba combater dentro das regras democráticas, as mesmas que, atrevo-me a dizer, aliadas a um instinto de auto-preservação pessoal, condicionaram a capacidade de vitória dos âvelhos idealistasâ? sobre os âpragmáticosâ?.
Temos então um nó górdio?
Hum⦠Talvez não falte muito, mas ainda não chegámos à Madeira.
Quando ingressei no ISEG para fazer a minha licenciatura, já lá vão 10 anitos, percebi um movimento claro no interior dos grandes partidos que manobravam naquela faculdade. Parafraseando uma conhecida teoria económica, tal como a moeda fraca expulsa a moeda forte, também o pragmático interesseiro expulsa o pragmatismo ideológico (chamemos-lhe assim) do interior dos partidos.
Na altura, espantou-me a transversalidade do fenómeno e a absoluta mimetização das causas e efeitos. Chegados à s primeiras eleições democráticas no interior da estrutura partidária (tipicamente numa Jota), vencendo ou perdendo, vi de imediato a repulsa que os métodos de combate interno produziam entre aqueles que mais admirava e a quem, segundo os meus padrões de velha guarda, adivinhava maiores capacidades de fazer algo útil para o bem comum, numa carreira polÃtica.
A maioria saiu desiludida e enojada pelo que teria de comprometer no “diálogo” polÃtico. Faltava-lhes âfÃgadoâ? e disponibilidade pessoal para aturarem a impossibilidade de trocarem ideias, discutirem cortesmente, sem terem de sistematicamente apanhar facadas nas costas e pior… A mentira, a intriga, a dissimulação, a corrupção e a traição eram os meios para se obterem os fins por mais modestos e irrisórios que fossem… Acrescendo a isto os maus exemplos que amiúde vinham de cima, dos “grandes” dos partidos e da própria vivência pública a que todos assistimos no parlamento, a carreira polÃtica dos jovens idealistas terminava por ali. Ganhámos empresários, cientistas, excelentes jornalistas. Perdemos a polÃtica dos partidos.
Curiosamente hoje, muitos deles enfrentam os mesmos problemas no seio das empresas em que laboram e continuam militantemente afastados dos partidos, precisamente por já lhes bastar ter de suportar aquele sistema de pesos e medidas na sua luta pelo ganha-pão. Este argumento é muito interessante se atendermos à s recorrentes provas de favorecimento pessoal de que vão sendo acusados alguns polÃticos profissionais. Transformam literalmente a sua vida no partido num ganha-pão!
O que fazer?
Não sei bem e Eduardo Dâmaso também não sabe, a avaliar pelo texto. Gostava, contudo, que Eduardo Dâmaso fosse mais claro em relação ao que pede à âvelha guardaâ?. O que é esse ir à luta democraticamente? Pensará apenas numa velha guarda de velhos que já não arranjam forças para o combate e se renderam ao cinismo ou terá em conta todos os aspirantes a membros da âvelha guardaâ? (potenciais futuros desiludidos à primeira prova do sabor da polÃtica interna) e pede-lhes para arregaçarem as mangas?
Desconfio que o arregaçar as mangas, o ir âconquistarâ? o partido pelas âbaseâ? não bastará. O partido, boa parte dele, quer festas e bolos, material de engorda, uma gratificação que se veja, logo, ir à luta sem essas armas â sem o saco cheio para distribuir e dizer que essa é uma prática condenável – é perder por sistema. Resta ir à luta contra o partido?
Um amigo meu sugere-me que se reencarne Mahatma Gandi…
Misturar determinação, paciência e capacidade de sofrimento, cultivando o mais profundo sentido de pragmatismo âGandianoâ?? Gandi foi de longe um dos maiores pragmáticos do século XX e o seu confessado e pouco divulgado não pacifismo é a prova decisiva disso. Não ter medo de perder contra o âmauâ? partido será o segredo?
Nem sempre a guerra de faz com as armas mais óbvias.
Como disse não sei quais são as armas ideais que não comprometem a essência da âvelha guardaâ?, mas a urgência de uma reacção ganha peso. O risco da inacção avoluma-se e, como sabemos, a incapacidade de nos inquietarmos perante o que nos violenta âteoricamenteâ?, mais cedo ou mais tarde há-de bater-nos à porta âconcretamenteâ?. Não é liquido é que esta percepção seja suficientemente percebida ao ponto de gerar uma reacção adequada⦠Sintomáticas as continuadas reticências de um excelente polÃtico â o que fez em Bruxelas está à vista de todos, os elogios no caso de António Vitorino não são de circunstância â em assumir o peso do partido nos seus ombros. Muito provavelmente continuará a achar que será mais útil noutras funções. Dando o exemplo de outra forma. Mas será essa uma solução que nos âsalveâ??
Duas coisas são certas, conversar continua a ser preciso, com todos, do sofá, ou de qualquer outro lugar.
Ter sempre presente que todos somos a base e que no final (ou no inÃcio) temos sempre algo a dizer. E aqui não penso só nos meus amigos ilustres e letrados do meio citadino. Há almas bastante esclarecidas e instruÃdas sobre os valores que me interessam em locais bem menos cosmopolitas do paÃs. Ainda que por vezes, por cada uma destas encontre âtrês ou quatro das outrasâ?.
A outra certeza é que a desistência à priori é a antecipação da derrota e aà Eduardo Dâmaso tem razão. à preciso ir à luta para marcar a diferença, nem que seja para perder. Um trunfo não negligenciável perante estes inimigos e perante o que os move.
Miguel Coelho, ontem, pelo PS e o conselho nacional do PSD nos últimos dias deram bons pretextos à velha guarda para se distanciar e para agir. E tendo voz â se jornalistas como Eduardo Dâmaso lhes derem a voz – é sempre possÃvel à âvelha guardaâ? minar o consenso. O medo absoluto pela discussão, pela divergência, pela revelação das diferenças. Pôr as ideias ao barulho.
Há uns quantos instrumentos legÃtimos claramente sub-utilizados entre âas forçasâ? do bem, o principal dos quais a capacidade de sacrifÃcio. Porque são sub-utilizados é para mim um mistério, mas por vezes desconfio que se deve a um muito arreigado sentimento de incredulidade perante a capacidade de discernimento dos eleitores.
E agora as contradições pessoais:
O que pessoalmente mais me limita é algo que está noutra esfera, bem menos instrumental (e daÃ…). Participar activamente num partido polÃtico é sempre uma actividade com custos pessoais e económicos (não se espantem) e na análise pessoal que faço falta-me a vantagem que me permita chegar ao pé dos que me estão próximos e de mim mesmo que me equilibre a balança do meu sentido de utilidade neste mundo: a confiança. Objectivamente, falta-me um grupo. A sensação de risco iminente ainda não me parece suficientemente forte para que sem partilhar com outros a confiança de uma luta tenaz tenha disposição para a imolação. O Gandi que há em mim ainda dá os primeiros passos da caminhada, pelos vistos.
Isto de ir para a polÃtica sozinho e sem sedução não chega para combater as proverbiais vantagens da masturbação intelectual, sempre é melhor fazer amor com alguém que amo como dizia Woody Allen. E ainda acredito que o que vou aqui fazendo é um bocadinho mais do que isso 😉