Onde se quer chegar?
Caro Luis (do Tugir),
Não consigo esquecer-me do sublinhado abstruso que Ferro Rodrigues fez na declaração de vitória nas Europeias, algo do género: vou ser candidato a Secretário-geral do Partido Socialista.
Dias depois, talvez percebendo a asneira pois nem os resultados eleitorais nas europeias haviam calado a oposição interna e a insatisfação com a sua liderança, veio dizer-nos que a sua sucessão não era assunto que devesse estar em cima da mesa, neste momento. Mas se foi ele que o trouxe à baila…
Ninguém me convence que a questão da liderança interna do partido socialista está resolvida e atendendo a esta novela protagonizada por Ferro Rodrigues é ele próprio a transmiti-lo ao país e não algum maquiavélico comentador político de aquém ou além blogoesfera. Novela aliás que fez saltar um expectável João Soares e um surpreendente José Lamego para a corrida.
Surge a crise, a união faz a força, “afinal somos do mesmo partido, caramba!” e todos se calam numa reacção em tudo similar à união em torno de Santana Lopes por parte do aparelho de PSD. Afinal é uma oportunidade de ouro para o PS recuperar o poder…
Havia toda a utilidade em resolver a questão do congresso o quanto antes, sem dúvida, mas não assim. Que se lixe o país, a legitimidade, o modo de governar como muito bem diz o Irreflexões numa crítica perfeitamente legítima a que o PS de Ferro Rodrigues se põe a jeito. Alguns excertos:
“(…) Num cenário em que o PR convoque eleições antecipadas – o único que permite ouvir todos os portugueses e não apenas uma mão cheia de luminárias chamadas a Belém por estes dias – Ferro Rodrigues vai a votos sem ter visto a sua situação interna no PS clarificada.
(…) Ferro não quer morrer na praia, o que até é compreensível do ponto de vista pessoal. Sacrificou-se pelo partido, aturou a ressaca do Guterrismo, o caso Casa Pia, e agora, que pode vir a voltar ao poder, ser afastado custava-lhe muito.
Mas isso é um ponto de vista pessoal. É assim como Durão decidir que quer ir para Bruxelas porque é bom para ele. E Portugal? (…)”
Tenho uma ténue esperança – muito pouco sustentada no lastro histórico, confesso – que com políticos coerentes, talvez cultores de uma implacável paciência chinesa, colocada ao serviço do debate e não do calculismo, um dia se venha a valorizar o cumprimento empenhado com a defesa saudável da divergência de orientação política dentro de um partido, fazendo-se do alisamento imperativo das divergências, a excepção e não uma regra vulgarizada.
O compromisso pessoal assim exigido para com os ideais adoptados só poderá valorizar a vida política, enriquecendo o partido e oferecendo alternativas claras ao país. Enaltecendo ainda, em jeito de bónus, as evoluções que cada um, ao longo da sua vida, for fazendo, por evidência clara e pública do percurso palmilhado.
Enfim, idiotices de um leigo.