A RTP2 está a repor há já algumas semanas, antes do telejornal das 22 horas, a série de reportagens do programa Planeta Azul. Tem sido um dos poucos momentos de televisão que tenho acompanhado com alguma regularidade nos últimos meses, um dos poucos programas que tenho pena de perder.
Hoje abordou-se a questão da gestão dos transportes analisando-se mais pormenorizadamente a ferrovia sob o pretexto do destino da linha do Oeste. O cenário parece ser o de deixar apodrecer para depois chamar o economista que confirmará o óbito por âmanifesta inviabilidade económicaâ?.
Este tipo de raciocÃnios onde se cola o estudo da viabilidade económica à contabilidade de mercearia é o tipo de prática que dá má fama à economia e aos economistas.
As premissas de partida para a realização do estudo são determinantes para que, com honestidade intelectual, saibamos avaliar o que é que temos em presença quando é produzido um estudo de viabilidade financeira. Sublinhe-se que em regra essas premissas são ditadas por quem encomenda o estudo e não pelo investigador.
O raciocÃnio é cristalino se a isso estivermos dispostos. Porque é que lá fora, na Europa central e setentrional (esqueçamos o Reino Unido que esse só serve de exemplo para o como não privatizar e gerir a ferrovia) se tem investido continuamente na ferrovia? Se se limitassem à contabilidade de mercearia onde não está disponÃvel qualquer lógica de visão integrada, de polÃtica de investimento concertado com a rodovia, com as diversas facetas da ocupação do território, com a educação cÃvica, com a gestão dos cidadãos automobilizados, entre outros, a conclusão do estudo de viabilidade ditaria muito provavelmente o desinvestimento na via férrea como temos feito por aqui.
No entanto, considerando estes aspectos e valorizando o impacto ambiental, o impacto na factura energética nacional, na estruturação espacial da população, na integração região-nação-mundo, etc, etc, vemos a ferrovia a evoluir e a crescer (e não falo da Alta Velocidade). Por cá vai enfezando de dia para dia, na maior parte do paÃs, e mesmo nas regiões mais dinâmicas, onde ainda desempenha um papel relevante, estamos a anos luz do que se faz lá fora. Por exemplo, no Luxemburgo, para voltar, agora pela positiva, ao paÃs referido ontem. No Luxemburgo, a integração, comboio-autocarro-comboio é simplesmente espantosa. Não conheço em pormenor o sistema implementado (suponho que haja uma gestão centralizada dos diversos operadores públicos (?) e privados) mas conheço a sua eficácia adivinhando-lhe a eficiência. Sei que funciona quase sem falha e de forma integrada (horários, sistema de tarifas). Enquanto turista achei formidável ter um autocarro com hora de saÃda da estação de Caminhos de Ferro coordenada com o comboio e estes com os autocarros.
Por cá, a introdução da concorrência pós-privatização da rodoviária nacional (e antes da actual situação de iminente monopólio privado) teve como resultado a interrupção das ligações existentes com grave prejuÃzo para a ferrovia que ficou assim sem o fundamental serviço complementar de transporte um pouco por todo o paÃs.
O único arremedo de acção latente que paira sob a ferrovia é a tentativa de privatização das linhas suburbanas mais activas e rentáveis. Algo que não fará qualquer sentido sem que haja uma entidade coordenadora e reguladora dos transportes e da gestão do território ao nÃvel das grandes áreas metropolitanas. Enfim, há imenso pano para mangas nestes temas. Um conjunto de problemas que terão necessariamente de subir de prioridade na agenda polÃtica nacional ao longo dos próximos anos. Deixar de cometer asneiras ano após ano seria já um bom princÃpio e uma grande vitória para o paÃs.