Caro Rui (Catalaxia),
Um jornal anuncia em manchete que tendo tido acesso a um processo que está em segredo de justiça soube que existem testemunhos incriminatórios da minha pessoa em tal e tal circunstância. Eu, acusado, (o que se lê no jornal é uma acusação, certo?) não posso defender-me eficazmente atacando o jornal, ou exigindo-lhe a publicitação das fontes, pois há éne garantias e liberdades que o defendem.
Muito menos posso ter meios de confirmar ou negar a existência dos testemunhos junto do inquiridor e consequentemente accionar as testemunhas judicialmente, se for caso disso, porque dessa forma violar-se-ia o segredo de justiça e perturbar-se-ia o inquérito.
Terei de aguardar serenamente durante largos meses, esperando que se acabe a fase de inquérito (ou seja, o segredo de justiça). Entretanto, devo mentalizar-me para as próximas manchetes (continua em anexo)
(Adenda ao texto anterior “Polyprion Americanum”: o raio do Cherne custa a assar, nunca mais janto hoje)
Para mim há aqui qualquer coisa que não é própria de um estado de direito evoluído. Há várias soluções possíveis: mexer no segredo de justiça e/ou mexer nos direitos de liberdade de imprensa face a processos em segredo de justiça, etc. Mas que está mal, está.
Isto é o que temos e foi isto que ficou ainda mais claro com a atitude dos advogados de Ferro Rodrigues, um cidadão que por acaso é Secretário Geral de um partido político.
Quanto à outra questão, a do quando podia, quando era ministro, ele não fez nada, o Rui até pode ter muita razão e criticar à vontade o ex-ministro do Trabalho e das Obras Públicas. Como o poderá criticar por não se ter expressado quanto a muitas outras questões da esfera executiva. Contudo, em nada colide com a “matéria de facto” a corrigir ao nível do código de processo penal que assim se evidenciou mais uma vez (espero não estar a trocar os códigos), e muito menos com o seu direito de agora se expressar sobre a lei denunciando as suas limitações no exercício da justiça, perante o sua violação sistemática ao nível do respeito pelo segredo de justiça. Seria um princípio muito bizarro admitirmos essa “racionalidade”, não fizeste, agora cala-te para o fim dos teus dias. A ser assim, qualquer humano minimamente inteligente fugiria de assumir um cargo político, afinal, se fosse omisso quanto a alguma coisa imaginável ou inimaginável perderia qualquer autoridade e direito de se pronunciar quanto a ela no futuro pós-cargo-político. Não exageremos, mantenhamos os danos sobre o político na esfera meramente política.
A mudança que se impõe, seja qual for o seu móbil imediato – a gota de água – será sempre abstracta e não aplicável ao processo em curso que temos em mente, portanto, também não podemos pensar que Ferro Rodrigues espera, com a atitude de se querer queixar/pedir dados ao procurador, uma alteração para o seu caso.
Pela parte que me toca, se algum dia passar por uma situação de acusação pública neste moldes, espero que o enquadramento legal me permita melhor defesa do que aquela de que hoje dispomos perante a distorção de justiça produzida pela desregulação efectiva da aplicação do segredo de justiça.