Colunistas > 2003-10-23 04:50
Violação do segredo de Justiça
Miguel Sousa Tavares
O jornalista revela-se contra as escutas telefónicas e a sua divulgação por parte dos jornais e televisões. Não compreende como este fenómeno a que chama âpidescoâ?, acontece num Estado democrático. A TAP e a reestruturação na EDP, que qualifica como a nova forma de abordar os despedimentos, são outros dos temas em destaque.
Fonte: Diário Económico
Colunistas > 2003-10-23 04:50
Violação do segredo de Justiça
Miguel Sousa Tavares
O jornalista revela-se contra as escutas telefónicas e a sua divulgação por parte dos jornais e televisões. Não compreende como este fenómeno a que chama âpidescoâ?, acontece num Estado democrático. A TAP e a reestruturação na EDP, que qualifica como a nova forma de abordar os despedimentos, são outros dos temas em destaque.
TVI – O Presidente da República acaba de fazer uma comunicação ao PaÃsâ¦
MST â Jorge Sampaio pronunciou-se esta noite (terça-feira) sobre as violações diárias e sistemáticas do segredo de justiça, que são feitas à vista de toda a gente, e da forma mais despudorada possÃvel. O PR disse que isto que não é próprio de um paÃs que administra a justiça há muitos séculos, se torne na fonte permanente de notÃcias. Sempre houve processos que foram notÃcia, agora não a este ponto abafante. Parece que o PaÃs todo desapareceu por baixo do caso Casa Pia.
TVI â Mas o maior partido da oposição não fala de outra coisa senão no caso da pedofiliaâ¦
MST â Não há ninguém que se esteja a portar bem no caso da pedofilia. Acho sinceramente que, com o passar do tempo, toda a gente foi perdendo o bom senso.
TVI â Mas quem?
MST âToda a gente desde os magistrados, arguidos, suspeitos, dirigentes polÃticos, toda a gente foi perdendo o juÃzo, até o Procurador Geral da República todos os dias sai com comunicados extraordinários em que diz uma coisa e depois, no dia seguinte, faz outraâ¦
TVI â Mas ultimamente isso não tem acontecidoâ¦
MST â Não? Eu vou ler aqui um ponto de um comunicado do PGR: « à importante que os portugueses percebam que aquilo a que têm assistido não é o funcionamento normal dos tribunais e ensombrado o assalto à informação e sua utilização na praça pública em prole de objectivos que nada têm a ver com o correcto funcionamento da justiça» â ponto nº 7 do comunicado da Procuradoria.
O senhor procurador sabe obviamente que as fugas da justiça âvêm de láâ?, vêm do ministério público. E a quem é que elas aproveitam? As conversas com os dirigentes do Partido Socialista aproveitam a quem? Aproveitam ao Partido Socialista? Não, aproveitam à acusação.
TVI â Com tanto recurso que foi feito e as várias alegações por parte dos arguidos é obvio que haja muito mais hipóteses de fuga de informações.
MST â Isso é a vossa opinião. A minha opinião como comentador, e assumo o risco do que digo, é que as fugas vêm do ministério público, da polÃcia judiciária, do juiz de instrução, não tenho a mais pequena dúvida sobre isso. Aliás, eu já assisto a isto há muitos anos, há muitos anos que eu falo e escrevo sobre isto. Cada vez que há um processo que envolve figuras mediáticas e que a investigação começa a patinar, acto contÃnuo põem cá para fora informações que estão em segredo de justiça. Porquê? Com dois objectivos. Primeiro, passar para a opinião pública a ideia de que os suspeitos já são culpados, ou seja dinamitar a presunção de inocência que é um direito constitucional. Segundo, passar para a opinião pública a ideia de que se as investigações não chegarem a bom termo é porque houve pressões polÃticas. Eu já conheço esta música, já conheço este fado.
TVI â Já vamos falar sobre isso. O que é suposto é comentar o que Jorge Sampaio disseâ¦
MST â O que o PR disse é que estamos a assistir a uma criminosa e despudorada violação do segredo de justiça que não pode ficar impune.
TVI â Qual foi a interferência do PR neste caso, quando há três semanas falou nitidamente sobre o juiz de instrução: um iluminado pela convicção, foi isso que o Presidente disse uma semana antes de Pedroso ter sido libertado.
MST â O PR falou na sequência de um acórdão do Tribunal Constitucional que recordou coisas que, a meu ver, são essenciais num Estado de Direito: primeiro, que qualquer acusado tem direito a um recurso; segundo, que qualquer acusado tem direito a que lhe indiquem as circunstâncias concretas em que se baseiam as suspeitas. Isto disse o Tribunal Constitucional e repetiu o Presidente e eu acho que ele fez muito bem.
TVI â Quando há julgamentos e processos mediáticos, e principalmente â¦
MST â Já sei o que vais dizer: trata-se de uma frase feita e totalmente demagógica, segundo a qual todos os dias acontecem casos desses nos tribunais, só que a comunicação social não se interessa por estes porque não se dá ao trabalho de ir ver os abusos que se praticam muitas vezes. E não estou a dizer que a nossa justiça é má, mas que erra e que comete abusos, comete-os. Mas esses casos não são notÃcia por se tratar de âzés ninguénsâ?.
TVI â Já vamos falar sobre as escutas, aliás porque temos mais divulgações e uma que é surpreendente: afinal o Bastonário da Ordem dos Advogados poderá ter mesmo discutido com António Costa um documento que estava em segredo de justiça precisamente no dia da detenção do deputado Paulo Pedroso […] Ficou célebre a explicação dos socialistas a uma escuta entre Ferro e Pedroso em que era referido o embaixador «R». A defesa disse que era «R» de embaixador Russo e nunca de embaixador Ritto. [â¦]Paulo Pedroso procurou remediar a falta de sentido das suas afirmações. Passou a dizer que o Embaixador âRâ? era afinal o embaixador russo no Iraque, alegadamente bombardeado na guerra.
MST â O embaixador russo foi de facto bombardeado no Iraque. Quando saà da Faculdade de Direito, o meu primeiro trabalho foi na Comissão de Extinção da Pide, onde tive ocasião de folhear muitos processos que a Pide tinha instruÃdo aos antigos resistentes…
TVI â Não vais comparar a Pide com o que estamos a viver agoraâ¦
MST â Não, não vou comparar até porque há uma diferença grande. As escutas da Pide não apareciam nos jornais e agora aparecem. Aprendi outra coisaâ¦
Se me impedes de falar, calo-me
TVI â Mas não tem comparação⦠Havia perseguições polÃticasâ¦
MST â Eu ouço todas as semanas o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa e nunca ouvi ele ser interrompido, ser contraditado, nem não o deixarem acabar o seu raciocÃnio. Eu não me importo de ser interrompido nem contraditado, mas importo-me se me impedes de acabar o meu raciocÃnio. Se me impedes, eu calo-me e passamos ao assunto seguinte.
TVI â Eu só pediâ¦
MST â Não tens de pedir nada, tens de ouvir a minha opinião sobre a Pide. O que havia nos âdossiersâ da Pide não eram apenas as actividades subversivas que o regime perseguia. Havia a vida familiar, sexual, extra-conjugal, as dÃvidas de jogo, havia tudo sobre as pessoas. Portanto não há nada mais grave do que uma escuta telefónica e é por isso que a Constituição estabelece que o sigilo da correspondência privada é um princÃpio fundamental. Um juiz só a pode decretar em último caso. Tem de ser imediatamente apresentada ao juiz, o qual tem de mandar apagar o que é irrelevante â e quero saber se isso aconteceu â e não pode de maneira nenhuma deixar que isso chegue aos jornais.
TVI â Então tudo isto é irrelevante.
MST â Não sei se é ou não. Eu sei é que o julgamento não se faz aqui. Se fores posta sob escuta telefónica e se publicarem as tuas conversas no jornal, não te vais reconhecer a ti própria. Não vais acreditar que tenhas dito aquelas coisas e não vais conseguir explicar muitas das coisas que disseste.
TVI â Não percebo.
MST â Não percebes? à que as pessoas quando falam normalmente e quando falam com os amigos falam de maneira completamente diferente. E por isso é que eu digo que isto só faz sentido com uma conclusão que eu tirei. O PS mexeu-se. Mas que pressões exerceu para que o processo fosse abafado? Se fez essas está errado, mas ainda está por demonstrar.
TVI â Ferro Rodrigues faz, de propósito, uma adjectivação aos magistrados e aos juÃzesâ¦
MST â Também eu faria. Não gosto que me escutem as conversas. Acho que infelizmente, e deve ser a quinta vez que o digo aqui, as deficiências da instrução são tamanhas que eu acho que o grosso dos implicados vai acabar de fora, com prejuÃzo de acabarem dentro alguns inocentes e que jamais alguém neste paÃs vai ter a certeza de que se chegou à verdade. Foi isso que eu acho que se conseguiu.
TVI â Despedimentos na EDP para competitividade?
MST â Mas é uma situação estranha e singular em que parece que a maioria dos trabalhadores aceita o despedimento e a chamada reestruturação â que hoje em dia é significado de despedimento â e os sindicatos estão contra. O Ministério esclarece. Se soubermos que a entidade reguladora da EDP autorizou a empresa a repercutir no custo dos consumidores os custos da reestruturação. Ou seja, nós consumidores de electricidade, vamos pagar mais para financiar o despedimento dos trabalhadores da empresa. E é claro que todas as empresas privadas adoravam reestruturar-se desta forma, com os consumidores a pagarem. à uma empresa pública que o vai fazer, deve fazer parte da preparação para a venda da EDP, mas não deixa de ser extraordinário que nos venham pedir, não o consumo de electricidade, não um aumento de consumo em benefÃcio do serviço prestado, mas sim para despedir trabalhadores.
TVI â A TAP espera fechar o ano com um lucro de doze milhões de euros, meta ainda não garantida, mas que já esteve mais longe. Mesmo assim, nada mau.
MST â Eu sempre fui defensor da TAP e da manutenção da TAP sob bandeira portuguesa e com maioria de capitais públicos, mas isto demonstra que a TAP, que todos os prejuÃzos que a TAP acumulou no passado, tiveram muito a ver com a gestão partidária da empresa. A TAP teve sempre gestores nomeados pelos partidos polÃticos com a incompetência correspondente. Não deixa de ser curioso, face aos resultados da companhia, que o actual gestor, para além de profissional, seja brasileiro, que tenha vindo da Varig.