Paulo Gorjão recusa o paralelo pela inversão de “culpas” que identifiquei entre o que escreveu e o que JPP havia escrito um pouco antes. E defende-se com um forte argumento:

A aquisição do Grupo Lusomundo por parte da PT no tempo de António Guterres não levou à substituição de Mario Bettencourt Resendes no DN ou a alterações profundas na TSF. Preciso de dizer quando é que elas ocorreram?
É por isso que digo que no futuro ninguém deve atirar a primeira pedra. Acho, aliás, o exercício de se atirar a primeira pedra cheio de riscos…


SÃmbolo do Diário de NotÃcias em 2003Como julgo já ter deixado claro, interessa-me, também, mais do que saber se a culpa é de Einstein ou de Truman, que se corrija o erro. Mas aqui, como em tantas outras questões (reforma do sistema eleitoral, por exemplo) há, de facto, um conveniente bloco central de imobilismo que fundado em tudo menos em diferenças ideológicas vai eternizando características terceiro mundistas no aparelho de Estado deste país.
Pela minha parte acho que é indispensável existirem meios de comunicação social que prestem serviço público. Ou seja, há uma definição de serviço público! Penso que há serviço público que pode ser prestado pelos privados e que há ainda necessidade de termos órgãos não dependentes da publicidade, vinculados a uma definição de serviço público estabelecida pelo Estado e garantida por este (entenda-se fiscalização e financiamento). Tudo isto é muito vago mas no meio da discussão a que já assisti sobre isto já é mais do que muitos dizem.
Na questão mais próxima levantada pela situação no DN não tenho dúvidas em exigir, enquanto leitor, clarificação, transparência de objectivos, de intenções. O que “parece serâ€? é relevante neste contexto e não parece que a tal migração directa de um cargo de apoio político para o de um director de um jornal que prima editorialmente pela independência face ao poder político ou face a qualquer profissão ideológicas, seja claro nas suas boas intenções perante os leitores. JPP dá de barato e considera antecipadamente justificado ou, pelo menos, imune à crítica (atendendo aos pecados passados), que se trate de uma interferência directa da tutela governamental (via PT), se bem o entendi.

Adiante.
Uma pergunta:
Será que existe algum modelo testado lá fora que dê garantias razoáveis de cumprir com um serviço público, resistindo à pressão da tutela política vigente em cada ciclo político?

Não conheço nenhum com o detalhe que me deixaria à vontade para discorrer sobre o assunto sem risco de dizer asneira, esta é a verdade. Confessada que está a falta de conhecimento dos “dossiersâ€?, o meu contributo será talvez idealistas mas atrevo-me a aventá-lo aplicando o princípio da parcimónia que me parece uma boa forma de tentar salvar o mundo.
Sobre a PBS (E.U.A.), que referi num texto anterior, o João da Metamorfose dá-me uma ajuda:

PBSA PBS norte-americana está longe de ser um “órgão de comunicação do estado”. A PBS é uma “cooperativa” de órgãos de informação de dimensão local, maioritariamente financiados pelas comunidades (neste conceito de comunidade estão igualmente incluídas as pessoas, as universidades, as empresas, as congregações religiosas e os governos estaduais). Não existe, por parte do governo federal, nenhuma interferência na linha editorial da PBS. além disso, o apoio financeiro do governo federal norte-americano à PBS é consideravelmente reduzido – a administração Bush, aliás, tem tentado reduzir ainda mais esse apoio.
Embora não podendo ser considerado um “órgão de comunicação do estado”, a PBS é, claramente, um órgão público de informação.

Não sei se este modelo será possível em Portugal… Poderia haver uma reprodução de algumas das características mais benévolas de mercado (pulverizando o controlo e diminuindo a dependência face a uma única entidade tutelar) com as vantagens intrínsecas à maior facilidade potencial em privilegiar a qualidade, o rigor, o carácter educativo, em suma, o objectivo de serviço público (que teria de ser definido à priori) do canal, só possível (provem-me o contrário) se desvinculado do objectivo lucro.
A TSF era um bom exemplo na rádio, não era (incompleto na minha definição)? Está a desaparecer nas mãos da PT, que é também do Estado, mas poderia estar a desaparecer com uma PT integralmente privada, certo? Estando no mercado não há garantias de defesa do serviço público, pelo menos sem um papel regulador do Estado – o que implicaria ter toda a discussão sobre serviço público independentemente do seu “produtorâ€?, por isso prossigamos. Sinceramente, acho que uma solução destas em pool institucional multicolorida não seria grande ideia por cá. Prefiro algo (ligeiramente) mais simples, de mais fácil responsabilização.

BBC
Outro exemplo que citei anteriormente é o caso da BBC. Sempre o associei a um exemplo de serviço público e sempre a julguei uma empresa pública que tem por preocupação basilar fazer bom jornalismo não comprometido. Alguém tem dúvidas de que fará sempre falta “bom jornalismo não comprometidoâ€?? Por exemplo, se amanhã o Engº Belmiro contratasse o Jorge Coelho para director do Público e rescreve-se o editorial do Público para um jornal que professa ideais de Esquerda (ou de Direita) que jornal de referência nos restaria? Ficava-mos a aguardar que surgisse uma resposta do mercado sabendo que se trata de uma indústria onde é cada vez mais difícil entrar (os alvarás, a elevada concentração do sector, as necessidades elevadas de capital para iniciar actividade, etc)?

Voltando à BBC, poderá ser um exemplo, um modelo? Digam-me se souberem.
À partida diria que sim. Educa informando de forma tendencialmente isenta, difundindo a cultura pelos seus exemplos e expressões mais variadas e indo ao ponto de leccionar para todo o mundo no sentido académico do termo na vertente Learning – “Universidade Abertaâ€?. É uma referência para o bom Inglês e para as boas práticas jornalísticas. Admitindo que tenha defeitos, parece contudo, um excelente ponto de partida. Julgo que este é um dos mais sólidos argumentos para sua defesa. Acaba por fazer algo que ninguém (ou muito poucos) farão voluntariamente numa perspectiva estrita de mercado.

Quais as perguntas para reformar o sistema? Sugiro estas para começar:

Qual a definição de serviço público que perfilhamos?
Quem e em que circunstâncias pode mudar a definição de serviço público?
Quem e em que circunstância assegurará a fiscalização do cumprimento do serviço público?
Quem e em que circunstâncias poderá realizar serviço público?
Qual o método de financiamento dos órgão de comunicação públicos e/ou privados que realizem serviço público?
Quem e em que circunstâncias poderá alterar o método de financiamento dos órgãos que prestem serviços públicos?

Pela minha parte e atendendo às definições que tenho na cabeça e que não cabem aqui neste textinho (disfarço as dúvidas e o tratado que ainda não escrevi) estou disposto e a pagar e acho indispensável termos uma empresa pública que actue na internet, na televisão, na rádio e preste o serviço de agência de notícias.

Imagino áreas do serviço público que poderão ser desempenhadas também por privados. Imagino que a empresa pública deverá ter uma fonte de financiamento que deverá depender de uma forma estável do Orçamento de Estado (uma percentagem fixa revista apenas em circunstâncias especiais – a definir criteriosamente – ou em reavaliações quinquenais ou coisa do género).
Imagino que haja uma tabela de pagamento igualmente explícita e estável para as actividades de serviço público voluntário e/ou obrigatório atribuídas a órgãos privados.
Além da autonomia financeira implícita – limitada ao orçamento -, imagino a atribuição de independência técnica à empresa pública de comunicação regulada por contratos individuais de trabalho.
Imagino que a direcção da empresa seja nomeada pela Assembleia da República (2/3 dos deputados) por períodos de 5 anos, por exemplo. À terceira tentativa sem consenso a responsabilidade de nomear a direcção ficaria a cargo do Presidente (é a minha costela semi-presidencialista).
Imagino que haja uma entidade reguladora de composição política (AR) e sectorial. Exemplos da composição sectorial:
– profissionais da comunicação social designados pelos profissionais do sector (pelos sindicatos);
– especialistas em finanças, economia e gestão (ordem dos economistas, revisores oficiais de contas).

Nas competências desta entidade ficariam, por exemplo, assegurar o cumprimento do serviço público definido pela AR, avaliando a conformidade de execução de todos os contratos de serviço público em vigor, recomendando, sancionando economicamente ou suspendendo o contrato, podendo esta comissão propor à AR destituição da direcção da empresa pública em algumas situações específicas a regulamentar. Propor à AR ou dar parecer, aquando da discussão da proposta do Orçamento de Estado, sobre eventuais revisões ao valor do financiamento do serviço público justificado pela evolução económica do sector.

Enfim, aqui sentado até parece simples. Mas julgo também que querem-me fazer crer que é mais complicado do que na realidade é… Se acreditarmos na convicção das palavras ditas por quem tem responsabilidades nos maiores partidos não é fácil perceber onde está a complicação para se mudar o estabelecido e alcançar o tão desejadado – é o que dizem – cenário de equilíbrio financeiro / prestação de serviço público independente/ saúde do sector privado.

Termino agradecendo ao actual governo o descaramento. Aqui como noutras áreas. Pode vir a revelar-se útil para clarificar as coisas, para mobilizar aqueles que antes não percebiam o que estava em jogo. Temo é que de descaramento em descaramento já se chegue tarde para emendar antes de grandes danos as leviandade e o chico-espertísmo interesseiro que vão proliferando.

E já agora, camarada Ferro Rodrigues, também tenho uma para si.
Qual é a política do PS para esta área se chegar ao governo? Esta questão Lima-DN era um bom pretexto para apresentar as opções do partido para esta área não acha? Diga coisas, recorde-nos lá as ideias do PS, por favor. Ou alguém por si, se tiver de ser. Se ninguém o quiser ouvir a malta mete aqui umas cunhas.

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