ALGARVE
Pouca terra, pouca terra, muito tempo…
O comboio do Algarve para Lisboa demora mais uma hora [4 horas e 25 minutos] do que os autocarros expressos e, em primeira classe, custa mais 3 euros.

Notícia completa aqui.


Em qualquer negócio este tipo de eventos trazem publicidade gratuita (esta notícia por exemplo) que, se bem utilizada, representam um belo incentivo para o sucesso do investimento.
Neste caso, não houve condições para fazer coincidir no tempo a ligação “directa” Lisboa-Faro com a oferta de um bom serviço: mais confortável, rápido e competitivo ao nível do preço.
Ok. Paciência… é triste mas podemos encarar isto como um primeiro passo, sendo que os restantes estão já bem definidos e visam alcançar aquelas características que acabei de referir, certo?
Lendo o resto da notícia parece bem que não:

A CP anuncia para o próximo mês de Maio a inclusão de Inter-cidades, que podem fazer o percurso em três horas e 15 minutos.
Até aqui estamos bem…mas…

E, segundo a CP, «se no próximo ano houver um número significativo de passageiros», será introduzido o comboio pendular, que encurtaria o tempo de trajecto para duas horas e 45 minutos.

Ora aqui é que a porca torce o rabo… «Se no próximo ano houver um número significativo de passageiros»
Em que serviço? Vão utilizar um serviço que se sabe à partida que é menos competitivo como forma de fazer pesquisa de mercado? Eu poderia pensar seriamente em usar uma ligação Lisboa-Faro se me custasse o mesmo e demorasse o mesmo tempo que o autocarro. Pelo menos pela minha parte prefiro sempre o comboio. Agora de certeza que não me apanham numa viagem mais demorada e mais dispendiosa. Como ficamos de estudo de mercado? Poupem o trabalho, deitem a electrificação da linha para o lixo e fechem as portas, já!


Esta tem sido a lógica da CP pelo menos desde que eu comecei a ter consciência de existir. Aliar a degradação do serviço com a aplicação de formas de avaliação mais restritivas. Técnica geralmente usadas para justificar o encerramento de boa parte da rede ferroviária nacional.
É obvio que um mau serviço faz perder clientes e se for suficientemente mau fá-los perder todos.
É óbvio que o desenvolvimento dos serviço rodoviários de transporte inter-urbano aumentaram os níveis de concorrência e esvaziaram as linhas que pior serviço prestam.
Não me parece óbvio que o transporte ferroviário de passageiros esteja condenado a ser fatalmente deficitário.
É óbvio que a infra-estrutura e o material circulante carecem de investimento e imaginando a manutenção da correcção do desequilíbrio ao nível da prioridades políticas esse investimento que já foi largamente feito na rodovia vai continuar a “pingarâ€? na ferrovia nos próximos tempos.
É também muito evidente que ao nível da exploração do serviço quase tudo tem de mudar. A lógica da Cp tem de ser a de captar novos clientes. Jogar para ganhar para não entrar a perder.
Esta discussão, como podem adivinhar, leva-nos longe e não vai ser num único post que conseguirei expressar aquilo que penso. No entanto, deixo aqui uma estupefacção particular.

Encerraram muitos quilómetro de via por todo o país nas últimas décadas, em regra o elevado custo de exploração e o reduzido número de utentes justificaram a inviabilidade financeira da exploração. Causas, muitas, mas os culpados principais nunca foram identificados no interior da empresa sempre surgiram como fatalidades inelutáveis: proliferação do transporte particular, concorrência do transporte rodoviário, desaparecimento de uma boa parte dos clientes cuja estrutura se encontrava muito envelhecida…
Fugindo à discussão sobre o como contabilizar o deve e haver deste serviço ocorre-me um exemplo que me parece paradigmático de uma má opção estratégica da CP. Para mim ele é simplesmente incompreensível.
Estou a pensar na ligação a uma capital de distrito do interior do país que entre 1991 e 2001 viu a sua população aumentar de forma assinalável. Progrediu economicamente, é um destino turístico cheio de potencialidades (histórico, paisagístico, gastronómico, desporto-aventura, de montanha, etc…) e tem junto a sim o principal eixo de entrada terrestre do nosso país. Uma cidade onde neste momento existe um dinâmico serviço de transporte de passageiros por via rodoviária que floresceu particularmente nos últimos anos. Em suma, para um leigo com algum conhecimento empírico o negócio de transportar passageiros em carreiras interurbanas tem tudo para ser rentável. A
população jovem é significativa, o número de estudantes a frequentar universidades em Lisboa e Porto não é desprezível… Não será Viseu um exemplo de dinamismo económico e social no interior do país? Acreditam que o negócio do transporte ferroviário deixou de ser interessante para a CP no final do século XX? Eu repito Viseu deixou de ter comboio no final do século XX. Por este andar e aplicando o mesmo raciocínio que terá levado ao encerramento do troço Santa Comba Dão – Viseu a nível nacional estou certo de que não deveria restar neste momento mais do que a ligação Lisboa-Porto. Viseu era um final de Linha, assim como já foi Évora… Outra capital de distrito que não tem ligação directa a Lisboa. Experimentem ir de comboio para Évora. Não é impossível mas quase não compete com a bicicleta. Enquanto utente, num país onde andar na estrada é no mínimo um acto de coragem, gostava ter opção de escolha.

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