Simple is beautiful, não?
O Irreflexões acaba de editar uma Carta aberta ao Presidente da República com a qual me identifico largamente. Aqui se faz eco da dita:
«Carta aberta ao Presidente Jorge Sampaio
Senhor Presidente,
Sabemos os dois, eu que o elegi e o senhor que foi eleito, que o Presidente da República é o garante último da democracia, da liberdade e da normalidade democrática.
A situação criada pela prevista demissão do Dr. Durão Barroso afecta, sucessivamente, por ordem inversa, todas aquelas realidades de que V. Exa. é garante.
Afecta a normalidade democrática porque os Governos são eleitos para 4 anos e não para o tempo que lhes apetecer.
Afecta a liberdade na medida em que se tenta impor um Primeiro Ministro em que os portugueses não votaram e que ninguém sabe se querem.
Afecta a democracia na medida em que o novo líder do PSD e Primeiro Ministro é escolhido em cortes restritas, na S. Caetano à Lapa, contra a vontade de uma parte, cuja dimensão se desconhece, do seu próprio partido.
Ora as eleições, em democracia, devem revestir um carácter de normalidade e não serem apodadas de desestabilizadoras.
V. Exa. pode, com simplicidade, determinar o seguinte:
1) A chefia do Governo é interinamente assegurada pela Dr.ª Manuela Ferreira Leite;
2) O Parlamento é dissolvido antes do inicio da sessão legislativa (em Setembro);
3) O Governo cai;
4) Em Setembro realizam-se eleições e o novo parlamento começa a funcionar no momento em que se inicia a nova sessão legislativa;
5) Até essa data os partidos têm tempo de, internamente, escolherem de entre os seus militantes áqueles que devem liderar a candidatura à formação de Governo;
6) Consoante o resultado das eleições V. Exa. poderá dar posse a um Governo saneado, arejado, legitimado.
Nada de muito complicado, como vê.»
June 28th, 2004 at 6:01 pm
Tenho muitas dúvidas que as coisas se possam passar como aqui se diz:
1) A chefia do Governo é interinamente assegurada pela Dr.ª Manuela Ferreira Leite;
Tanto quanto sei, a demissão de um primeiro-ministro com efeitos imediatos implica a queda do governo. Durão não pode assegurar a chefia do governo até eventuais eleições, ao contrário de Guterres em 2001/2002.
2) O Parlamento é dissolvido antes do inicio da sessão legislativa (em Setembro);
Uma originalidade. Nunca vi uma dissolução de parlamento em Portugal existindo uma maioria parlamentar.
Voltávamos aos governos de iniciativa presidencial, esses sim com uma fraquíssima representatividade.
Se o governo cai no dia em que DB apresentar a demissão, o que terá que ocorrer até ao fim deste mês, quem governaria até ao processo estar concluído? (O que ocorreria lá para Janeiro de 2005, a pouco mais de um ano do fim da legislatura corrente.)
4) Em Setembro realizam-se eleições e o novo parlamento começa a funcionar no momento em que se inicia a nova sessão legislativa;
Absolutamente impossível. Por vários motivos: 3 meses e uma semana foi o tempo que mediou entre a demissão de Guterres e as anteriores eleições. Não estávamos no Verão e o tempo foi verdadeiramente recorde. Com sorte teríamos eleições em Novembro ou Dezembro. O governo tomou posse no fim 30 de Abril, cerca de 1 mês após as eleições. Para o próxima, iria parar ao Natal ou ao Ano Novo. E até lá, quem governa?
Além do mais, o orçamento não deve esperar por Março ou Abril para ser aprovado.
A única razão para eleições antecipadas será o PSD não conseguir chegar internamente a um líder para o governo, o que se medirá através do eventual chumbo de um voto de confiança do parlamento. Pacheco Pereira, Manuela Ferreira Leite e Marques Mendes podem voltar a assumir os seus lugares na Assembleia e rejeitar o voto de confiança. Será o suficiente para marcar eleições antecipadas.
Caso contrário, há uma assembleia legislativa onde se podem construir maiorias. Em democracia, as legislaturas duram o tempo previsto. 4 anos, em Portugal.
jcd
June 28th, 2004 at 6:16 pm
Duram quatro anos? Apetece-me citar o Daniel Oliveira:
«Palavra de honra?
“Não vou desistir no Governo, tal como não desisti na oposição, enquanto não fizer de Portugal um País mais avançado”
11 de Março de 2002 – Durão Barroso em Coimbra
“Aquilo que está em causa em 17 de Março é saber se o governo deve ser de quatro meses ou de quatro anos”
15 de Março de 2002 – Durão Barroso em Lisboa
“Mais importante do que qualquer partido é Portugal. (…) Portugal pode contar comigo”
15 de Março de 2002 – Durão Barroso em Lisboa
“Pelo meu lado, farei tudo o que estiver ao meu alcance para dar a Portugal uma situação de estabilidade e de segurança”
17 de Março de 2002 – Durão Barroso no discurso de vitória»
A nomeação do Presidente da Comissão é em Outubro, porque não pode assegurar interinamente o cargo de PM até haver eleições? A nomeação de um chefe de governo em exercício é excepcional, talvez se justificasse uma solução excepcional para a “Europa” não ficar colada a crise política no nosso país.
E porque não repetir os três meses? A situação é de emergência, este ano não há férias! Já se preparavam as regionais, preparem-se as nacionais também. Quem apresentara a melhor proposta que ganhe e governe o país.
Se o que Durão Barroso se prepara para fazer não é uma originalidade então não sei o que isso seja.
Sugeres que o PS tente formar governo caso um novo Governo PSD não sobreviva a uma moção de confiança?
June 28th, 2004 at 6:43 pm
As frases do Daniel dizem-me pouco. Aliás para quem está num partido que desdiz sistematicamente o seu passado, o Daniel devia ter mais cuidado nos argumentos que usa…
Claro que o PS não deve ser convidado para formar governo, uma vez que não o poderá aprovar no parlamento. Mas se houver uma solução maioritária disponível, não há que hesitar.
Ir para a Comissão Europeia não é desistir de Portugal, antes pelo contrário. É uma excelente oportunidade, que pode ser melhor ou pior aproveitada. A mim custar-me-ia bastante se Durão não aceitasse uma oportunidade rara.
Mas se para ir para lá é preciso desistir de Portugal, entrar nas confusões governativas e antecipar eleições, prefiro que não vá.
Espero que o PR tenha o bom senso que a esquerda portuguesa se esforça por mostrar que não tem.
Durão não está a abandonar o país à porta da crise. Antes pelo contrário, este momento surge justamente quando todos os sinais de retoma estão aí. E é esse o enorme problema da esquerda. Um novo governo em dois anos de expansão, poderá ser re-eleito em 2006. Ainda temos na memória o primeiro governo minoritário de Cavaco Silva.
E é esse o meu maior problema: Santana vai provavelmente gerir o seu governo como Guterres fez nos 6 anos que lá esteve: a olhar para as sondagens. Ferro também sabe isso.
Um abraço
jcd
June 28th, 2004 at 7:33 pm
Pessoalmente falando acho que a solução que se avizinha é má para o país. O governo de Santana “Flopes” (Adoro este nome) será panis et circenses” durante dois anos para ganhar as eleições de 2006. Duvido que o País possa aguentar isso e a factura vai aparecer mais cedo ou mais tarde.
Quanto à missiva do Irreflexões, ela bem podia ter sido escrita há dois anos atrás, quando o Presidente Sampaio convidou o PS a formar governo, tendo este declinado o convite uns dias mais tarde. Facto que provocou a dissolução da assembleia. Nessa altura os elementos que hoje protestam contra esta hipótese estiveram calados.
June 28th, 2004 at 7:46 pm
Muito interessante este debate e sobretudo tendo em atenção o objectivo de quem provocou esta crise que afinal não teve relutâncias porque a oportunidade caíu como sopa no mel, em aceitar assumir o cargo sem que estivessem reunidas as condições no seu partido de uma sucessão consensual, o que não está a acontecer, é perfeitamente compreensível a reacção de quem deseja a manutenção desta coligação até ao final do mandato porque tem a consciência de que as probabilidades de se repetir esta solução governativa nas próximas legislativas não são nenhumas. Por isso não interessa que as mesmas se realizem, baseando-se no argumento de que as legislaturas são para 4 anos que elas não sejam interrompidas sobretudo quando a côr política
é aquela que defendemos.
June 29th, 2004 at 12:18 am
Caro congeminações
Não é uma questão de esquerda ou direita é uma interpretação da constituição, que por acaso é perfeitamente acessível a qualquer pessoa.
Considerar Vital Moreira (Que no seu blog dá as duas interpretação – a da razão e a do coração) e Jorge Miranda sejam pessoas de direita é ir um pouco longe.
Ter o flopes a Primeiro ministro é uma descgraça, mas quando a alternativa é o ferro, sinceramente entre os dois escolha o diabo
June 29th, 2004 at 11:35 am
Penso que o mais importante em todo este novelo em que nos encontramos é o seguinte:
Este parlamento tem capacidade para apoiar um governo estável ou não?
Se tem, porque a dissolução.
Se não tem, que seja dissolvido.
É que se formos para eleições pode acontecer que o parlamento eleito,tenha uma estrutura mais desiquilibrada do que este e tenha de se voltar à paródia do Limiano.