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Opinião: Alô PS: Defender meias tintas será ajudar a condenar o país e a Europa*

Quem me conheça minimamente saberá que estou longe de ser um extremista, o que aqui vos escrevo resulta da mais ponderada e informada reflexão que pude ir fazendo ao longo dos últimos anos. Escrevi há pouco uma prosa noutras paragens com título “O otimismo sobre o fim da crise na zona euro é um erro –  Wolfgang Munchau – FT” precisamente depois de ler a última crónica de Wolfgang Munchau no Financial Times.

Nela se sublinha que o próprio FMI reconhece que os atuais sinais económicos positivos em vários países em crise da zona euro, são muito mais de origem cíclica do que consequência das tão propaladas reformas estruturais. Ou seja, o FMI reconhece que os países em crise pouco ou nada evoluíram em termos de sustentabilidade das suas economias e que, face à dimensão do que haveria ainda por fazer, Munchau acrescenta que dificilmente o conseguirão fazer de forma humanamente exequível. Pelo menos segundo este plano largamente unilateral que tem sido imposto como solução.

Munchau repete uma ideia que vem defendendo há algum tempo: não conhece nenhum plano válido que alcance em simultâneo o objetivo de tornar uma economia sustentável, promovendo um forte ajustamento, enquanto se consegue reduzir drasticamente o nível de endividamento dessa mesma economia, em particular quando se trata de uma economia que é parte de uma zona monetária no qual a política monetária e cambial em vigor são tão adversas quanto as políticas fiscais/orçamentais dos restantes parceiros.

Se o diagnóstico de Munchau e do FMI estiver correto, quer quanto à leitura económica atual, quer quanto ao que perspetivam para os próximos anos (onde de forma alguma se recuperará para níveis de sustentabilidade da dívida e das economias), é crucial parar para pensar antes de nos limitarmos à estratégia do desesperado que tem vindo a ser protagonizada pelo menos desde 2010 que é a de aceitar todos os pretextos para “comprar tempo”.

Afinal, compramos tempo com PECs e MoU para quê exatamente se nada de substancial do que era identificado como crucial mudou? Internamente, seguindo a “solução” imposta, temos o FMI a dizer que as melhorias são apenas de origem cíclica e nada sustentadas nas reformas impostas, admitindo que os efeitos desvaneçam logo que o ciclo económico dos nossos parceiros e/ou da economia mundial se volte a aproximar da estagnação ou recessão.

Externamente, a lentidão e o carater minimalista das reformas em curso (veja-se o formato claramente insuficiente e ineficaz de União Bancária que se conseguiu aprovar) revelam igual fracasso quanto ao que se tem estado a fazer com o tempo que temos comprado com sacrifício, empenho e capital político.

No final, temos a zona euro a acumular excedentes tendo as economias fragilizadas de lidar duplamente com a sua fragilidade intrínseca, com um mercado de capitais que não é único (mas antes fragmentado como se já não existisse euro) e, para tragédia, com os desafios próprios de uma economia forte pela frente. De facto, o euro, sendo moeda comum, ao se valorizar por via da acumulação de excedentes, encarece por igual as exportações em toda a região, penalizando de forma mais dramática aqueles que precisamente estão a tentar pôr um pé nas quotas de mercado internacionais, o tal objetivo crucial que, segundo entendimento geral (mas não unânime) precisam desesperadamente cumprir para romperem com o circulo vicioso em que caíram.

O que Munchau, citando as previsões do FMI sobre a situação líquida de investimento a 5 anos, sublinha, é que este comprar tempo vai-nos levar, para um outro ponto no tempo onde nada estará resolvido e no qual todos os desafios estarão ainda por vencer.  Entretanto, teremos passado uma década completa perdida sem garantia de qualquer década vindora de recuperação, basicamente sem qualquer promessa de esperança e com recursos humanos e políticos largamente depauperados.

Que tipo de opção estratégica deverá seguir um futuro governo do país, seja ele maioritário ou minoritário? Deverá encarar tudo isto como uma fatalidade e repetir a toma dos remédios amargos, comprando tempo com uma austeridade de “rosto mais humano” como diferença fundamental face ao percurso atual?

Este rumo de meias-tintas, onde nada de estrutural irá mudar na União Monetária, onde a fadiga da austeridade acabará por destruir qualquer hipótese de recuperação ou de governabilidade dos países e onde os parceiros que, de momento não estão em crise, terão todos os incentivos para cultivarem o seu crescente desinteresse deve-nos fazer parar para pensar e deve-nos mobilizar para a defesa da máxima franqueza e humildade.

 

franqueza de conseguir colocar em discussão o que está exatamente em risco na União em vez de o esconder por baixo de um manto sufocante de medo e propaganda e a humildade de não termos mais do que umas pistas fundamentais mas insuficientes para o desenho de uma solução coletiva que permita não só ultrapassar a atual crise europeia como lançar as base sustentáveis para o progresso do projeto europeu. Mas a humildade também é a franqueza para assumir que esta discussão e estes princípios que oferecemos para a mesma, não são adiáveis ou desprezáveis.

Assumir que todo o projeto europeu está de facto inquestionavelmente em risco, e por maioria de razão a zona euro, é hoje o melhor serviço que imagino um europeista convicto possa oferecer como contributo para a garantia de um futuro do ideal europeu. 

Negar esta evidência, ficar aquém de afirmar com todas as letras e todas as palavras, interna e externamente, o reconhecimento da gravidade da situação, do destino provável que nos espera e das ameaças à governabilidade e democracia dos estados-membros será isso sim, contribuir para soterrar mais de 60 anos de história comum em paz e progresso.

* Menciono o PS porque é aquele partido em melhores condições atualmente para vir a protagonizar uma mudança de política e credível em Portugal. Assim perceba de uma vez o que está em causa. Já tarda e já lá vão quase 4 anos…

Publicado originalmente no 365 Forte.

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Opinião: O que é que o PS tem a ver com o PS?

Multiplicam-se as candidaturas com base em militantes do PS em dezenas de concelhos do país. Chega a haver três num mesmo concelho. Naturalmente em cada concelho haverá só uma oficial, as restantes serão formalmente independentes, organizadas por ex-militantes ou por militantes a caminho de processos disciplinares e de provável expulsão. Expulsões que o futuro dirá em que medida se concretizarão. Uma medida que, a avaliar pelo passado, tem uma amplitude de juízos muito diversificada.

Vem daqui algum mal ao mundo? Não necessariamente. Fragilizará quem defende a vantagem dos partidos centrada na responsabilização perdurável, não dependente da figura, mas imputável à marca. Mas até isso é vantagem debatível.

É isto anti-democrático?  Não vejo como. Deve a lei interferir nesta realidade? Se sim para quê? Para resolver problemas internos aos partidos, relativos à legitimação? Não consigo ver como tal possa ser minimamente defensável. As candidaturas independentes são tão legítimas se nascidas dentro ou fora de partidos incumbentes e, pela parte que me toca, por muito incomodo que tudo isto represente para alguns que se sentirão injustiçados, melhoraram a nossa democracia e não o contrário. Será contudo uma experiência em processo de amadurecimento e também por isso me mobilizei para estas linhas.

Os resultados nas próximas eleições serão relevantes para a análise? Obviamente! Doa a quem doer, sinalizarão até que ponto os procedimentos internos de seleção de candidatura encontram ou não apoio junto de quem detém a decisão soberana. E mesmo que o resultado seja a dispersão de votos com vantagem para outros partidos ou movimentos que conservem maior capacidade agregadora, o convite à reflexão estatutária é desejável senão mesmo inevitável.

Para já, há a suspeita de que algo poderá estar a correr muito mal nas estruturas locais do PS, onde o poder de escolher candidatos não joga com a autoridade real para o fazer, provocando cisões que, em número, são importantes. Porquê? Esse é um trabalho que deve gerar curiosidade entre cientistas exógenos ao partido, mas também e particularmente às estruturas locais, regionais e nacionais dos partidos e seus militantes (sim, o fenómeno afeta também pelo menos o PSD e o PCP). E acredito que é um trabalho que está já em curso, pelo menos por uma parte dos militantes do PS e cidadãos não filiados atentos ao fenómeno partidário e à democracia representativa.

Antes que o ruído de campanha cresça de intensidade chego a esta pergunta retórica: quererá o PS repetir daqui a 4 anos a mesma experiência que me parece desde já inquestionavelmente perturbadora da própria imagem e perceção efetiva do que é o PS nas suas várias estruturas de organização existentes no país?

Se não, que caminho pretenderá palmilhar? O da “purificação” interna ou o do reforço dos mecanismos de legitimação junto do eleitorado potencial no ato de escolha dos candidatos?

Perturbam-me dúvidas que creio sairem reforçadas com este fenómeno que agora se revela com magnitude numérica inusitada. Dúvidas como saber até que ponto o militante de base é hoje reflexo fiel do eleitor do PS em cada concelho? Até que ponto consegue interpretar os seus anseios?

A opção entre um caminho e outro terá consequências dramáticas naquilo que será o PS futuro a todos os níveis, do local ao nacional. Convém ter isso bem presente. Para já, a legitimidade da pergunta do título e a dificuldade de resposta a um eleitor que a coloque é evidente: o que é que o PS tem a ver com o PS?

Tenho para mim que o eleitor português será um pouco mais inteligente e competente do que alguns dos políticos que conheço consideram ser. Se falo do PS é tão somente porque é o meu partido e era nele que gostava de ver nascer os exemplos fundadores de uma forma diferente de estar e de fazer política no futuro. A batalha está em curso e o dia 30 de setembro deverá ser momento para um reforço dessa reflexão e, muito provavelmente, para um impulso reformador.

Originalmente publicado no 365 Forte.

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Opinião: Uma carta, a pretexto dos parabéns ao PS

 

 

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Querido leitor,

Tenho 37 anos, sou filho de migrantes, nascido em Lisboa, criado entre o subúrbio sintrense e a raia de Espanha, lisboeta em permanência vai para 10 anos. A pretexto dos 40 anos do PS ocorreu-me discorrer sobre a minha memória da política que se confunde com o tempo de vida. E tu, caro leitor, onde estiveste nos últimos 40 anos?

As primeiras memórias que tenho da política construíram-se pela televisão, a campanha presidencial de 1980, a morte do Primeiro-Ministro, a eleição de Ramalho Eanes… E pela rua nos vários 25 de abril e festa associada. Recordo a história do 25 de abril contada pelo meu pai, beirão, ex-guardador de rebanhos, à data marinheiro de prevenção na capital, sem excessiva carga política ou entendimento de tramoias complicadas. Um genuíno e singelo amante da liberdade e da justiça.

Depois, veio a atenção aos debates na TV, Mário Soares, o fascínio pelo que era o entendimento e o desentendimento em política, a AD, o Bloco central, as várias pétalas da rosa socialista no PS, os senhores eternamente zangados do PCP, o táxi do CDS, a convulsão do PSD.

Recordo já melhor o turbilhão na segunda metade da década de 80: a era moderna da política lusa com a entrada na CEE, com o primeiro presidente civil, a primeira grande vitória política com que vibrei verdadeiramente no que uns 11 anos permitem. O fenómeno PRD, a ascensão de Cavaco e os “mestrados em política e jornalismo” com o nascimento da TSF. O desenvolvimento do sentido de justiça, em crescendo. O querer sempre defender os mais fracos, de preferência com a palavra. O soco dado e recebido, num extremo. O querer compreender, o gostar de matemática e chegar à economia começando a criticar a lógica monolítica da política económica cavaquista. Acompanhar a JS de Seguro, um tipo de uma família decente lá do concelho, à distância…

E mais instantâneos e reflexões, como o medo de perder a capacidade crítica com uma entrada precoce num “clube” político. A faculdade, uma maior participação política, a felicidade de fazer amigos politicamente muito diferentes e bons democratas. Caminhando sempre próximo do PS, em choque com a degradante praxis política nas juventudes em batalha pelas associações de estudantes. E a perceção do acerto na aposta de um afastamento consciente da política partidária organizada. A consciência de que vibraria demasiado com o “clubismo”; o Sporting a ensinar-me que precisava de mais defesas para não perder o norte. O respeito pela família com a necessidade de acabar o curso em 4 anos. As manifestações contra Cavaco, na rua. As visitas aos antiquários de São Bento sob patrocínio policial.

As várias camadas da política mediática, a política pelos jornais, do Independente ao Expresso mas sempre a minha amada rádio. A sensação de algumas oportunidades perdidas na gestão do país, a perceção de Guterres como a última grande oportunidade para fazer grandes coisas e depressa com a generosa boleia da CEE.  A dignidade, o diálogo, uma maior sinceridade e transparência na forma de fazer política. A importância da forma sobre o conteúdo. A admiração / desconfiança perante as agências de comunicação. A política espetáculo e o espetáculo da política. A surpresa civilizacional dos autóctones sobre sí próprios com a Expo 98. A vertigem para o vazio. A morte de Cunhal, a sucessão de Soares. Jorge Sampaio. Algures por aqui, começar a compor uma nova família. O cumprir serviço publico como trabalhador do Estado.

Foi também tempo de perceber a imensa dificuldade que há entre o querer e o fazer. A crescente dissonância entre o político, o povo e o interior do país. A sucessão de desiludidos da política da minha idade que foram mais para dentro do que eu e que se afastaram, à esquerda e à direita, co mraras exceções. Alguma desilusão com o PS, com o aquém de Guterres. Admiração por Ferro Rodrigues e pela capacidade de reinvenção do PS. O melhor e o pior do PS com o caso Casa Pia. A revolta perante tiques possessivos face ao país, às instituições e à democracia. A hipocrisia e o cinismo de Barroso, o que deu à sola. A degradação política dos meios e da prática de Santana Lopes. A esperança e o entusiamos com Sócrates.

O arranque reformador do PS com maioria absoluta. O político profissional. A constatação dos tiques dos pequenos poderes na administração do Estado com patrocínio partidário, sem grande diferença face ao governo do momento. Um mal social banalizado. A capacidade de reformar com nexo e concertação na Segurança Social e no Trabalho. A admiração por Vieira da Silva. O cutucar da vaca sagrada na educação, sem grande inteligência emocional. O ensino obrigatório até ao 12º ano, a boa ideia do Magalhães, a falta de procedimentos credíveis/estabilizados de sindicância de investimentos. A realpolitik à moda lusa. A capacidade de renovar, de cativar novos quadros para o exercício do poder. O plano tecnológico, as renováveis, o simplex, a lei em português claro, a e-governo com alguns excessos de velocidade, a coragem de assumir que era preciso mudar nos direitos cívicos, nas liberdades individuais.

O excesso de imagem, os sinais de obstinação, a incapacidade de compreender as ameaças latentes. A necessidade imperiosa de termos um governo melhor do que o país. A infantilização do eleitor. Não perceber onde ficou a defesa do interesse nacional perante opções simbólicas eleitoralistas. O encurralamento autoinduzido numa realidade virtual, a sucessão de mentiras, a excessiva pressão política sobre serviços públicos independentes, o fracasso político e orçamental em 2010. Mas também a traição vinda da Europa.

O MEP e finalmente a militância. Fazer duas campanhas na estrada, em dedicação exclusiva. Construir uma alternativa de raiz. A perceção de que não há ameaça bastante para motivar a renovação e a aproximação aos interesses de muitos portugueses dentro dos partidos acomodados. A descoberta de que há muitas pessoas competentes e politicamente mobilizáveis para a causa pública ativa dentro de estratos pouco comuns (jovens adultos com família, vida estabelecida e sem experiência política ativa anterior). O corte com o MEP às mãos da fábula da escorpião.

A pesada herança emocional de Sócrates. A fraca crítica interna com reflexo externo claro do passado recente. O ciclo de vida política de Seguro, o falso-lento. A pouca densidade política de Seguro em virtude da reduzida afirmação política prévia em matérias de políticas de Estado mas também a convicção da honestidade e do genuíno interesse na defesa da causa pública. As dúvidas quanto à capacidade de evitar um permanente ambiente de guerrilha e acerto de contas interno. O perigo de um racalcamento mas trabalhado. E depois a redução da perceção da ameaça e a concentração no essencial. O apelo à participação. O aceitar do desafio. A compreensão da imensidão do desafio político do momento. A catástrofe governativa. A necessidade imperiosa de uma alternativa. A imensa desconfiança na política. Os fumos do final de regime. A militância no PS, sem reservas, por fim.

E, claro, a internet, pretexto para novas amizades, para a exposição egocêntrica e narcisista, para o desabafo, para o debate, para a política, para a aprendizagem, até para o amor.

Caro leitor, mal te conheço, serás pessimista-otimista, preguiçoso-trabalhador, ativista-comodista ou mesmo teimoso errante, sei que enquanto me leste fomos um único português. Tem de ser por aí…

Mando-te os meus parabéns, ao PS.

Ao dispor,

Rui

Também públicado no 365 Forte.

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Opinião: E amanhã? Notas soltas sobre o diagnóstico político

O discurso e rumo político quase hegemónico em termos de exposição pública, patrocinado pelo atual governo local e externo que nos rege, tem alimentado um espírito fatalista em que somos profissionais e tem contribuído para impor níveis de ansiedade e um quase “monolitismo do desespero” em qualquer esforço de antecipação de uma alternativa do futuro.

Sem cuidar de julgar com particular detalhe a bondade das premissas creio serem estas algumas notas fundamentais da conjuntura política que temos de encarar para perceber a história recente, os bloqueios, os desafios e os caminhos do futuro do arranjo político e da governação em Portugal.

O PS: 

 

1)      O governo anterior cometeu excessos e falhou em momentos críticos. Em particular algumas opções tomadas após o dealbar da crise internacional, reveladoras de uma fraca capacidade de antecipação da dimensão do problema que se adivinhava. Destaca-se a falha muito expressiva na execução orçamental em 2010 aliada à imagem de revisões sucessivas de projeção da realidade tão convictamente negada em curtos espaços de tempo que se sucederam com a rápida degradação das condições de financiamento externo nos últimos anos da governação.
No final, ficou uma pesada herança política para gerir que se consubstanciou numa igualmente pesada derrota eleitoral e na necessidade de um exercício onde a recredibilização do PS enquanto alternativa política de governo que se adivinhava, à altura das últimas eleições, de muito difícil e moroso alcance;

2)      É um clássico em todos os partidos que foram governo e que tiveram condições para fazer obra: o dia seguinte pode ser muito complicado. No caso do PS não foi diferente. Com a saída de uma figura de proa carismática, vencedor da primeira maioria absoluta à esquerda, extremamente competente no combate político mediático e que levou a um patamar diferente do habitual no PS a dimensão do culto da personalidade, o anticlímax de uma das mais pesadas derrotas eleitorais da história do PS era inevitável. O recém-empossado líder cedo teve de enfrentar oposição interna e pública centrada no ataque à forma (por inevitável comparação com o líder anterior), na exigência da defesa da herança passada (que não foi ainda verdadeiramente escrutinada internamente) e na crítica aos procedimentos de gestão da imagem pública do partido (errância e fragilidade oratória dos porta-vozes) e da organização interna, amiúde promotores de um ambiente de guerrilha que tinha no grupo parlamentar um dos focos e no novo poder das estruturas regionais e nacionais do partido outro. Como disse, nada de verdadeiramente novo na história democrática do país. Nova, de facto, só a gravidade da conjuntura envolvente;

3)      Com o entendimento de Coimbra, a energia vital da atual direção, até ali acossada e reativa – nem sempre da forma mais feliz – pode ser canalizada para a ação política mais orientada para a construção de uma alternativa para o país. A perspetiva de uma união de competências (um recurso sempre escasso em qualquer organização), patrocinada por uma melhor clarificação da interpretação do passado e das propostas para o futuro permanecem o principal e decisivo desafio para a definitiva credibilização do PS enquanto alternativa política.
Um trabalho que parece estar em curso ainda que claramente necessitado de uma salto qualitativo e de consolidação. Uma tarefa que, reconheça-se, quer pelas circunstâncias habituais do ciclo político, quer pelas circunstâncias muito peculiares do enquadramento económico nacional e da desastrosa governação em curso ganha contornos de dificuldade e urgência inusitados.

A governação:

4)      Diabolizar o governo anterior e o despesismo crónico do PS, imputando-lhe responsabilidades que vão bem para além do seu papel histórico, aproveitando para capitalizar a forte descredibilização que existia em torno do último governo do PS – recorde-se que o anterior Primeiro-Ministro era amiúde retratado como Pinóquio, à esquerda e à direita – foram e são um dos baluartes do condicionamento político ao PS alimentado pela atual maioria;

5)      O discurso da maioria tem evoluído em clarificação no sentido da uma segunda diabolização: a do Estado, num espírito de missão onde se afirmou distintivamente como querendo “ir além da troika” – a política de austeridade do “custe o que custar”. O único objetivo da governação digno desse nome tem sido o de reduzir acriticamente e depressa , testando e ultrapassando os limites da lei fundamental, os recursos sobre os quais o Estado tem algum tipo de intervenção;

6)      A realidade económica, volvidos cerca de 4/5 anos de progressiva e continuada austeridade oferece muito poucos sinais de evolução positiva e nenhum que garanta comprovada sustentabilidade no futuro. O fracasso é total, estando a economia nacional em progressiva desagregação que ocorre em simultâneo com uma diminuição da identificação do eleitorado com a constelação político-partidária existente.

7)      O contexto europeu degradou-se igualmente ao longo dos últimos anos, tornando-se cada vez mais visível a estrita defesa dos interesses nacionais de curtíssimo prazo entre os parceiros europeus e uma total incapacidade de reação e acomodação de recomendações avisadas de atores políticos e económicos internos e externos à União Europeia. Tudo o que de fundamental que tem sido identificado para garantir a integridade e futuro do projeto europeu e, em particular da zona euro, tem sido ignorando ou, quando muito, aceite como desígnio a implementar em futuro incerto e distante, de forma totalmente inconsequente ou mesmo contraproducente para o momento atual.

8)      A impreparação técnica e a falta de experiência política de vários governantes tem servido a missão fundamental de esmagamento do Estado (por reduzir a capacidade de oposição crítica às decisões centralizadas pelas Finanças) e tem potenciado os danos colaterais da redução de despesa ao não permitir antecipar consequências mais danosas para o próprio objetivo de redução de custos. Nesta medida, a falta de qualidade do governo tem amplificado largamente os efeitos negativos dos constrangimentos orçamentais.

No dia em que o PS apresenta a sua censura ao atual governo é inevitável pensar no amanhã. Que política seguir? O que se pode fazer de diferente que seja consequente e garantido? Que forma de percorrer um caminho que nos restabeleça a esperança?

Tentarei ao longo dos próximos tempos ir sublinhando e pondo à prova algumas hipóteses de trabalho e de opção política que podem fazer a diferença.

A quem compete tal demanda? Que tal perguntar ao contrário: a quem não compete pensar e encontrar uma melhor forma de gerir o país?

Bem hajam.