"(…) não podia, se queria tanto saber se era dele o espermatozóide, pagar uns testes do seu bolso (repito-lhe, custam 1500 euros no IPATIMUP) e ter o resultado em duas semanas?"

 

Fernanda Câncio in Glória Fácil

Há qualquer coisa da realidade deste país que alguns vizinhos muito moralistas da capital (alguns até jornalistas, como é o caso – e ser-se moralista não é epiteto necessariamente depreciativo) estão a léguas de imaginar. Vá para fora cá dentro é o único conselho prático e julgo que sensato que posso recomendar. O que são afinal 1500 euros para os 20% mais pobres deste país, saberá Fernanda Câncio, ou ter-se-á esquecido temporariamente? Terei todo o prazer em lhe fornecer umas estatísticas sobre o assunto.

Para se dissolver um casamento impomo-nos a formalidade de ter o Estado a tentar uma conciliação derradeira; aos criminosos oferece-se amiude uma segunda oportunidade, uma comutação de pena, espera-se um regeneração e, se possível, uma emenda do erro. A um potencial pai de uma criança que ninguém planeou e sobre a qual é admissível ter justas dúvidas quanto à paternidade, o momento da verdade definitivo e absoluto restringe-se à reacção que tem quando é confrontado com a notícia, com a barriga ou mesmo, como por vezes sucede, com uma mãe com um filho nos braços.

Na dúvida deveria cuidar, na dúvida deveria assumir, na dúvida deveria ter, fosse como fosse, 1500 euros, saber que existe um IPATIMUP e tratar de fazer os testes o quanto antes. Sem dúvida! Seria mais humano que o fizesse, sem dúvida! Até seria um sinal positivo se pudesse. Mas não pode ser com base neste "equilíbrio" que se deve reclamar da justiça. A um pai, no limite, não se admite que fique em choque, que fique perturbado, que passe por um período de negação. Intrínseco a este pensamento está a ideia bafienta de "ele lhe fez um filho". Neste caso pouco parece haver a dizer quanto à decisão e à liberdade da mãe em continuar ou não uma gravidez e em querer partilhar essa decisão com o pai. Será este um dos casos a "resolver" pelo Sim ao aborto?

Tudo isto pode ser passível de qualificar de comportamento moralmente criticável mas em circunstância alguma deverá ser motivo suficiente para uma condenação sumária e para a total extirpamento dos direitos que o pai venha a querer exercer. Julgo que deve ser assim até ao momento em que definitivamente uma criança seja dada para adopção, com a mediação do Estado, havendo a segurança que esse mesmo Estado tudo fez para garantir que o pai havia sido informado da existência de um potencial filho seu.

Adenda: O Paulo Gorjão acrescenta um dado estatístico:

"Sabes quantos testes — por iniciativa dos particulares (e não do Ministério Público) — é que o IPATIMUP fez em 2006?

Menos de meio centena, segundo Cíntia Alves, responsável pelos exames de paternidade no IPATIMUP."

A este junto que, em 2005, nasceram no total 109 457 crianças das quais 3 não foram perfilhadas por nenhum dos pais, havendo um número adicional de 1890 para as quais não se conhecem dados estatísticos sobre o pai (pressuponho, com algum risco, que tenham pai incógnito). Dados do INE.

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