Também publicado no Economia e Finanças.

 

Portugal melhora notação de risco com upgrade inesperado por parte da S&P anunciado na noite de 15 de setembro de 2017. A S&P junta-se assim à DBRS classificando Portugal como um país com notação de investimento (e não de lixo). A S&P surpreende porque passou diretamente a notação de lixo com perspetivas (outlook) negativas para “Investment grade” com perspetiva estável. As outras duas grandes agências de risco têm Portugal classificado como tendo um nível de risco incompatível com recomendações de investimento (“lixo”) ainda que tenham melhorado a perspetiva de futuro de estável para positiva, indiciando que nos próximos meses poderão também aumentar a própria notação de risco.

 

O que esperar deste upgrade da notação de risco?

Tal como no passado os downgrade das notações de risco acabaram por ter um efeito de profecia que se autorreforçava, no caso, em sentido negativo – pelas dificuldades adicionais que criava em termos de acesso ao investimento e de custos com o serviço da dívida – é possível que agora haja também algum efeito virtuoso (provavelmente menos intenso do que quando o impacto era negativo) no sentido de estimular a atividade económica pelo ganho de rentabilidade potenciado pela redução dos encargos com a dívida e com o afluxo de novos investidores, agora mais confiantes na economia portuguesa.

 

Perspetiva de futuro

As perspetivas para a economia portuguesa melhoram em termos de enquadramento, com uma expectável diminuição do diferencial que se regista em termos de custos de contexto (nomeadamente no que se refere ao sobrecusto do acesso ao crédito e ao investimento externo). Em certa medida, a fragmentação do mercado de capitais, ou seja o enquadramento de acesso ao capital que está longe de ser semelhante entre os países que partilha a mesma moeda, deverá diminuir. Por outras palavras, o terreno de jogo extremamente desequilibrado para quem quer investir em Portugal (face a quem quer investir, por exemplo, na Alemanha) ficará agora um pouco menos desequilibrado.

 

Sem reformas estruturais na Zona Euro o futuro continua demasiado incerto

A ausência de reformas estruturais no seio da União Europeia e da Zona Euro em especial, no sentido de uma reforma institucional que resolva as falhas evidentes do edifício que deveria constituir uma zona monetária continuam a ser a maior ameaça aos países da Zona Euro com modelos de especialização económica efetivamente mais frágeis e em processo de transformação, como Portugal.

A verdade é que, em 10 anos de crise financeira e suas subsequentes ondas de choque (que abalaram o setor financeiro, as empresas, as famílias e, em última linha, os Estados, e em que o euro passou a ser percebido não como uma moeda única de uma zona monetária completa, mas antes como um instrumento singular, sem sustentação coletiva dos seus utilizadores em momentos de crise com impactos assimétricos), não se avançou de forma decisiva no desenvolvimento de nenhum dos pilares chave que estão em falta na Zona Euro para esta ser uma zona monetária digna desse nome.

A União Bancária continua coxa, sem mecanismos de solidariedade efetivo ao nível da garantia de depósitos, o Banco Central Europeu continua a não poder encarar o objetivo de crescimento económico como crucial para a tomada de decisão na definição da política monetária, continua manietado na sua capacidade de ser emprestador de último recurso (apesar da criatividade de Draghi ter, efetivamente salvo o euro de males piores, no curto prazo). A Zona Euro continua a não ter  (ou a União Europeia num sentido reforçado) um orçamento comum que atue como estabilizador automático face aos desequilíbrios assimétricos que inevitavelmente surgirão em qualquer zona monetária com economias locais tão diversas, a criação de mecanismos de solidariedade financiados por todos e associados ao desemprego e à segurança social continua a ser igualmente matéria longe de perspetivar qualquer consenso e a própria legitimidade democrática das instituições que decidem o futuro comum ao nível de topo continua a ser muito distante da que é requerida para responsabilizar de forma eficaz o exercício do poder.

Perante estas perspetivas e perante aqueles que continuam a ser os desequilíbrios estruturais entre as economias dos países da Zona Euro, o futuro, em cenário de crise (que é tão certa como a própria morte), continua extremamente incerto e, efetivamente, além do controlo possível aos estados nacionais como o português.

 

Fazer o trabalho de casa chega?

Portugal estará claramente a fazer o seu trabalho de casa, aproveitando ao máximo a oportunidade que uma fase do ciclo económico positiva e uma política monetária expansionista permitem, contudo, precisará certamente de muitos anos com condições próximas das atuais para encurtar distâncias em termos de especialização económica e de capacidade de gerar produtos e serviços de maior valor acrescentado.

À reposição de rendimentos e recuperação de confiança sucedeu um período de forte crescimento económico em que nos encontramos, no entanto, o crescimento económico para os próximos anos dependerá agora de novos investimentos e de muita ousadia e critério no investimento do setor privado mas também do setor público (peça muito mais crítica numa pequena economia aberta como a nossa do que num país com um grande mercado interno e massa crítica em termos de capital acumulado).

Portugal precisa de tempo para robustecer os vários setores de atividade onde tem (finalmente) atores dignos de serem competitivos a nível internacional, precisa de tempo para continuar a erodir o peso da dívida pública e privada na riqueza que gera, precisa de tempo para modernizar e melhorar a capacidade de prestação de serviços públicos do seu Estado e precisa de maior certeza quando ao seu enquadramento para poder pensar o seu futuro para além do curtíssimo prazo e do orçamento do estado que se segue.

A notícia de 15 de setembro de 2017 veio ajudar a subir mais um degrau, a construir mais uma pequena almofada face a soluços futuros e a encarar o futuro com mais otimismo mas é ainda demasiado pouco e, talvez, demasiado tarde, para podermos encarar uma próxima fase menos positiva do ciclo económico sem grande preocupação.

Resta preserverar e continuar a aproveitar ao máximo os bons ventos. Quem sabe… pode ser que chegue. Quem imaginaria em março de 2016, com a economia a desacelerar há vários meses e ainda muito distante da riqueza que gerava antes da crise, que no ano seguinte estaríamos politicamente estáveis, a crescer quase 3%, fora do procedimento de défices excessivos e com um upgrade da notação de risco?