Multiplicam-se as candidaturas com base em militantes do PS em dezenas de concelhos do país. Chega a haver três num mesmo concelho. Naturalmente em cada concelho haverá só uma oficial, as restantes serão formalmente independentes, organizadas por ex-militantes ou por militantes a caminho de processos disciplinares e de provável expulsão. Expulsões que o futuro dirá em que medida se concretizarão. Uma medida que, a avaliar pelo passado, tem uma amplitude de juízos muito diversificada.

Vem daqui algum mal ao mundo? Não necessariamente. Fragilizará quem defende a vantagem dos partidos centrada na responsabilização perdurável, não dependente da figura, mas imputável à marca. Mas até isso é vantagem debatível.

É isto anti-democrático?  Não vejo como. Deve a lei interferir nesta realidade? Se sim para quê? Para resolver problemas internos aos partidos, relativos à legitimação? Não consigo ver como tal possa ser minimamente defensável. As candidaturas independentes são tão legítimas se nascidas dentro ou fora de partidos incumbentes e, pela parte que me toca, por muito incomodo que tudo isto represente para alguns que se sentirão injustiçados, melhoraram a nossa democracia e não o contrário. Será contudo uma experiência em processo de amadurecimento e também por isso me mobilizei para estas linhas.

Os resultados nas próximas eleições serão relevantes para a análise? Obviamente! Doa a quem doer, sinalizarão até que ponto os procedimentos internos de seleção de candidatura encontram ou não apoio junto de quem detém a decisão soberana. E mesmo que o resultado seja a dispersão de votos com vantagem para outros partidos ou movimentos que conservem maior capacidade agregadora, o convite à reflexão estatutária é desejável senão mesmo inevitável.

Para já, há a suspeita de que algo poderá estar a correr muito mal nas estruturas locais do PS, onde o poder de escolher candidatos não joga com a autoridade real para o fazer, provocando cisões que, em número, são importantes. Porquê? Esse é um trabalho que deve gerar curiosidade entre cientistas exógenos ao partido, mas também e particularmente às estruturas locais, regionais e nacionais dos partidos e seus militantes (sim, o fenómeno afeta também pelo menos o PSD e o PCP). E acredito que é um trabalho que está já em curso, pelo menos por uma parte dos militantes do PS e cidadãos não filiados atentos ao fenómeno partidário e à democracia representativa.

Antes que o ruído de campanha cresça de intensidade chego a esta pergunta retórica: quererá o PS repetir daqui a 4 anos a mesma experiência que me parece desde já inquestionavelmente perturbadora da própria imagem e perceção efetiva do que é o PS nas suas várias estruturas de organização existentes no país?

Se não, que caminho pretenderá palmilhar? O da “purificação” interna ou o do reforço dos mecanismos de legitimação junto do eleitorado potencial no ato de escolha dos candidatos?

Perturbam-me dúvidas que creio sairem reforçadas com este fenómeno que agora se revela com magnitude numérica inusitada. Dúvidas como saber até que ponto o militante de base é hoje reflexo fiel do eleitor do PS em cada concelho? Até que ponto consegue interpretar os seus anseios?

A opção entre um caminho e outro terá consequências dramáticas naquilo que será o PS futuro a todos os níveis, do local ao nacional. Convém ter isso bem presente. Para já, a legitimidade da pergunta do título e a dificuldade de resposta a um eleitor que a coloque é evidente: o que é que o PS tem a ver com o PS?

Tenho para mim que o eleitor português será um pouco mais inteligente e competente do que alguns dos políticos que conheço consideram ser. Se falo do PS é tão somente porque é o meu partido e era nele que gostava de ver nascer os exemplos fundadores de uma forma diferente de estar e de fazer política no futuro. A batalha está em curso e o dia 30 de setembro deverá ser momento para um reforço dessa reflexão e, muito provavelmente, para um impulso reformador.

Originalmente publicado no 365 Forte.