Sempre que alguém reclama, por estes dias, de algum corte orçamental no Estado que o afete, ou de alguma alteração legislativa que pareça disruptiva, cedo surgem os Camilos desta terra com o estafado aqui d’el rey que temos mais um grupo de pressão a viver à custa do Estado. Logo, alguém mau, criticável, a defender o seu quintal, o seu interesse mesquinho e pessoal. E pronto, assim se fecha a conversa com esta arrasadora generalização. Ai daquele que levantar a voz, corte-se-lhe a cabeça!

Há instantes, a propósito da prosa de Manuel Caldeira Cabral no seu artigo “Será que Crato quer que a ciência recue 20 anos em Portugal?” que destaquei na minha página do facebook, um amigo depressa se chegou ao comentário com uma frase que creio merecer reflexão. Diz ele:

“Não discuto a validade do investimento na ciência. Mas no momento em que tudo está a ser cortado, não podem existir vacas sagradas pois todos consideram o seu quintal como o mais importante e como tal não sujeito aos sacrifícios que a todos se pede. Caso contrário, de excepção em excepção, fica tudo na mesma.”

Este meu amigo não está só nesta sua forma de pensar mas creio que enforma uma sucessão de trágicos erros e simplificações suportadas por regras de pretensa justiça e gestão de crise que me parecem completamente erradas e, só por milagre, não promotoras de um agravamento da qualidade das decisões de política económica.

Sem me alongar, respondi-lhe e aqui reproduzo que, pelo contrário, é fundamental discutir todos os investimentos!

Já devia ser um hábito mais estruturado e escrutinado no passado mas, nem sempre tendo sido, se há lição que esta crise e a parte local das culpas que devemos reconhecer deviam ter oferecido, passaria precisamente por aprendermos a escolher de forma mais criteriosa os investimentos que fazemos. Seja numa empresa privada, numa família, seja no Estado. Substituir o ambiente do passado que alguns identificam com erros de decisão de política económica, favorecendo investimentos de duvidoso retorno, por uma política de corte acrítico e transversal, não é de todo uma melhoria.

O que nem sempre se fez bem antes, deixou de se tentar fazer de todo agora.

Não, não é assim que se sai do buraco. Gastar menos um euro é tomado pelo valor facial sem cuidar de saber qual a consequência seguinte. Era mesmo uma despesa superflua? Qual a inutilidae que alimentava? Gerava retorno superior ou inferior ao investimento exigido? Tudo perguntas tornadas obsoletas pelo primado do princípio de que “qualquer corte no Estado é bom para o país“. Mesmo que tal signifique contrariar a própria avaliação da famigerada troika. O ir além da troika, resiste e está aí, todos os dias.

Os nossos decisores políticos ignoram que é possível gastar menos um euro e com isso aumentar a despesa tal como é possível gastar mais um euro e terminar com mais riqueza no bolso. E essa ignorância tem-se revelado de forma espetacular, quer nas decisões específicas de âmbito micro, quer nos grandes números da análise macroeconómica sobre o país.

O que devemos esperar do decisor político (ou privado se, por exemplo, gerir os interesses de investimento alheio) é precisamente fundamentar,  discutir de forma informada todos os investimentos e depois, claro, decidir.

No fundo, usar da inteligência e do poder que lhe foi conferido. Não o fazer só se explica, ou pela total demissão do exercício da responsabilidade que foi atribuida (a incompetência desempenhará aqui o seu papel), ou pela convição profunda já acima relevada: qualquer investimento (no Estado) é mau por mais que a realidade objetiva o negue.

Dito isto, atrevo-me a concluir que a generalidade dos leitores seriam capazes de fazer um melhor trabalho a gerir a coisa pública do que os atuais governantes.

Publicado originalmente no 365 Forte.

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