É raro escrever uma página de prosa no Facebook. Hoje calhou, mas fica muito melhor aqui:

Miguel Poiares Maduro recuperou um dos mais significativos texto de Ricardo Reis sobre as escolhas do país (ver “O FMI e a Austeridade“). A peça vai conquistando o aplauso de alguns amigos estimáveis, mas não sei se mais pelas alfinetadas que oferece a algumas vozes pouco coerentes que criticam o “remédio” em curso em Portugal, se pela convicção de que o que o Ricardo Reis defende é em si mesmo algo coerente. parece-me que não é de todo. Em comentário à prosa e aos elogios à dita deixei o que se segue na caixa de comentários da entrada do Miguel sobre o tema que aqui agora destaco:

Ainda bem que faço parte dos “keynesianos” que em tempo de vacas gordas defende que se “acumule um excedente orçamental para usar nos maus tempos”. Talvez também por isso não consiga encontrar as razões que descobrem para elogiar de forma tão vincada este artigo que me parece carregado de silogismos. Neste momento, Portugal não é financeiramente solúvel para os investidores internacionais a menos que tenha o respaldo dos nossos parceiros. Se aceitarmos isto como um facto, de pouco lhes importa se aumentamos ou diminuímos a austeridade/défice/dívida, interessa-lhes saber essencialmente se os nossos parceiros alinham num plano de viabilização credível ou não ou se (mais apetecível) bancam a dívida. Neste último aspeto os mercados são muito reativos como o têm provado várias situações desde o início da crise. Quanto ao plano de viabilização credível é cada vez mais difícil encontrar alguém de fora da troika e do nosso governo que defenda que o atual rumo é sustentável. E nisto a persistência de uma política de austeridade coordenada no espaço europeu com a recusa da Alemanha em cumprir com a sua parte da receita no sentido de reduzir a disparidade nos custos de produção internos na ZE, devolvendo aos seus trabalhadores, de forma mais expedita, uma parte dos ganhos de produtividade que acumulou na última década vai tendo um papel decisivo na ruina do “remédio” português que, creio, tinha mesmo como única hipótese de viabilização desenrolar-se num contexto externo expansionista e não recessivo. Uma previsão para a qual muitos “keynesianos” alertaram e da qual agora reclamam a prova dos factos.

A ridicularização da bondade de um incremento do investimento estrangeiro em Portugal (que se apresenta singelamente como mais dinheiro) também me parece pouco inteligente ou pelo menos coerente com o que a seguir se diz. Recordo que, contrariamente ao que sucedeu, por exemplo, na crise Sueca dos anos 90, em que uma crise financeira grave pode ser acomodada por um aumento temporário do endividamento público temperado com manipulação da taxa de câmbio (que sim, pressupõe reduzir a dívida no período seguinte de recuperação como o fez a Suécia) nos está “vedado” face ao elevado endividamento público e à ausência de moeda própria. Sem isto, escolher ridicularizar quem defende que só conquistamos sustentabilidade com mais investimento direto estrangeiro parece-me, no mínimo, temerário e irracional. Como poderá esse raciocínio ser então racional? O Ricardo Reis defende o incumprimento? Não. Defende a reestruturação? Já não.

Então que defende? Defende que conseguiremos um milagre nunca visto à face da terra que passa por um país sem moeda própria, sem margem para compensar temporariamente o endividamento privado com o endividamento público, sem grande esperança de ganhar rapidamente quota de mercado no exterior (pelo menos à velocidade necessária), sem um incremento do investimento direto estrangeiro na escala que seria necessária, conseguirá por via exclusivamente do encolhimento abrupto do Estado (bem para além dos padrões que são considerados referenciais entre os nossos parceiros, inclusive entre aqueles que têm dívidas equiparáveis) descobrir um tal volume de ineficiência provocado pela gestão de uma parte importante da riqueza nacional por parte do Estado (será que existe uma ineficiência assim tããão grande?) que, uma vez debelada, devolverá à economia os recursos vitais para que se consiga acomodar a desalavancagem sem destruir o que está são, seja uma empresa, seja a relação entre os indivíduos.
Olhando para esta crença, para a história e para a realidade económica não consigo acreditar que alguém que queira ir além de umas alfinetadas em malta mais extremista e também ela inconsequente mais à “esquerda” possa honestamente acreditar que vamos por um caminho que levará a bom porto.
A solução se a houver virá de outras “batotas. Se não vier, parece-me muito evidente o que irá acontecer, por mais ou menos austeridade que por aqui se pratique.
Também publicado no 365 Forte.

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