Primeiro de tudo, devemos sair do euro?

Pessoalmente ainda não sei. Duvido mas estou cada vez mais desconfiado que o faço quase exclusivamente porque tenho uma deformação, um à priori que me motiva, ainda acredito que é possível emendar a mão, assumir de forma consequente o que ficou para construir de modo a que a ideia de moeda única não se converta definitivamente numa história de tragédia e num rastilho que pode muito bem acabar com a União Europeia ou, pelo menos, com o que muitos de nós esperariam que esta viesse a ser no futuro próximo.

Talvez seja por esperança, talvez seja por teimosia, o que é certo é que sonho de fazer da união monetária uma parte e não um fim, um instrumento que seja um contribuinte decisivo para a construção da Europa das Nações, alimenta a persistência, a batalha empenhada pelo sonho europeu.

Mas será que essa teimosia, essa esperança está autorizada pelos sinais dos tempos evidenciados pela nossa história coletiva recente, enquanto europeus, na resolução dos patentes desequilíbrios económicos e financeiros internos à União?

Acreditando que o Euro era  e deve ser visto como um processo em construção, à imagem da própria União e sendo evidente que não há de todo garantias de que o resto do edifício venha a ser edificado;

sendo clara, para mim, que qualquer manutenção das soluções atuais para enfrentar os desequilíbrios financeiros e económicos não terá outro destino que não um esmagador empobrecimento dos elos mais fracos de um sistema que muito poucos, com autoridade democrática, admitem alterar;

sendo evidente que o caminho que se está a fazer nos afasta de qualquer ensejo de cumprimento contratual seja o contrato relevante o social ou o financeiro com os credores;

sendo assim inteiramente expectável que, a prazo, e perante a continuada exacerbação de juízos moralista e consequente ressentimento causado, o destino final possam muito bem ser a acumulação de todos os piores cenários, culminando com uma expulsão/saída acrimoniosa da Zona monetária;

Perante tudo isto que me parece, hoje, e se nada de fundamental mudar, inexorável, que tipo de atitude, posição e objetivos deveremos nós (portugueses ou de outra nações) perseguir de modo a reagir a esta situação?

Ou pelo menos, que alternativa deveremos tentar trilhar se, em breve, se tornar definitivamente evidente que, perante a correlação de forças e vontades, perante a enésima comprovação do fracasso e perante uma previsível diabolização das vítimas desse fracasso, a margem para manter a esperança e o sonho se torne incompatível com a própria capacidade de sonhar?

Confrontados com nós mesmos, portugueses, e convidados pelos nossos pares com o poder da conjuntura a resolver os “nossos problemas”, cuidar de clamar que os problemas são de todos (quando não nos estão a ouvir), será nobre e digno mas muito provavelmente inútil e insuficiente se formos caminhando para uma sombra do que qualquer povo merece ser.

Não há Europa nem nunca haverá, num futuro minimamente objetivável sem Nações, sem os seus povos. Ignorar isso sob o pretexto de um sonho que justificará manter até ao limite um caminho abismal sem vestígio de solidariedade genuína e tão-pouco inteligência e reconhecimento do bem comum, poderá, sublinho, poderá, em breve, passar a ser o pior serviço que podemos prestar à própria génese do sonho desejado.

Recuperar a dignidade, retirar a autoridade a quem não consegue servir  qualquer rumo de construção ainda que a coberto de auxílio, assumir os nossos atos de forma responsável perante nós próprios e perante os nossos pares (que estão longe de se reduzir à troika ou a um diretório mais ou menos fundamentalista em termos económicos), em liberdade e, espero, que com mais sabedoria, poderá passar a ser o nosso principal objetivo político a breve prazo.

Sair do Euro, renegociar a dívida, reformar o sistema político, ajustar o papel do Estado numa perspetiva estratégica e, muito provavelmente, assumir um regime de exceção temporário ainda que duradouro que viole regras importantes em vigor na União Europeia, poderá fazer parte do cenário político mais razoável a breve prazo.

Em bom rigor, controlamos muito poucas variáveis do nosso destino e podemos fazer pouco (ainda que mais do que temos feito) a nível europeu para que se retome a construção do edifício incompleto cujas lacunas, em boa parte, aqui nos trouxeram. E se, tal como um eleitor descrê de um político que não o convence da justificação para um sacrifício, nós, como povo, não descortinarmos como o plano imposto se integra no mapa que seja o do rumo para um futuro melhor? Que mais fazer se não procurar alternativas que, pelo menos a prazo, no deem garantias de atingir esse mesmo futuro que nos foge?

Com as cartas que temos em cima da mesa, a que podemos juntar algumas premissas habituais que ditam o comportamento humano, dos políticos de conjuntura  e dos Estados, não consigo deixar de acreditar que hoje, o cenário mais provável e desejável, a prazo, poderá não andar longe daquele que procuramos a todo o custo evitar. A escolha corre o risco de ser tragicamente facilitada pela inevitabilidade das consequências da persistente estupidez.

Se chegarmos ao cenário que, institucional e formalmente nos afastará mais do sonho antigo, quererá isso dizer que a União Europeia acabou ou nós para ela? Quererá isso dizer que regressaremos ao orgulhosamente sós? Perante a alternativa, acredito que será a que melhor poderá preservar qualquer esperança de que se retome o projeto Europeu. Algo que manifestamente enfrenta as consequências de graves erros de que até hoje não se soube desenvencilhar. Se não o soubermos fazer em conjunto, a via das pedras, tomada por um povo soberano, poderá vir a ser a única verdadeira esperança de sobrevivência do projeto europeu. De resto, não consta que o destino final de qualquer (historicamente) corriqueira reestruturação da dívida conduza inevitavelmente o respetivo povo a temível e duradoura lógica isolacionista.

Estar com a União Europeia, nunca poderá ser sentido como pior do que não estar. Será esse o patamar contra o qual deveremos, a cada dia, apreciar a nossa posição no tempo e no modo. De preferência conseguindo realizar essa avaliação indo além do que temos à frente do nariz, mas sem esquecer o que temos na barriga.

Com cumprimentos para o Paulo Pedroso

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