A quem possa interessar:

“Caros conselheiros,

permitam-me algumas palavras de despedida uma vez que me vou desfiliar hoje do MEP.
No espaço de uma semana, uma vice-presidente e o presidente do partido foram interpelados pela comunicação social (Renascença e DN) para se pronunciarem sobre a bondade da realização de um referendo sobre o alargamento do casamento civil a pessoas do mesmo sexo. Em ambas as situações se mostraram favoráveis à realização do dito, afirmando o nosso presidente que o MEP irá tomar posição sobre o assunto.
Objectivamente a posição do MEP está tomada. Mesmo admitindo um Conselho Nacional em que se viesse a discutir o assunto, o MEP está, pela posição avançada pelo seu Presidente, inexoravelmente vinculado a este compromisso. Se o Presidente assumiu publicamente esta posição fê-lo com perfeita consciência do seu peso e, naturalmente, adivinhará também o seu impacto no seio do Partido.
A título pessoal, no constante exercício de coerência e auto-crítica, entendo esta tomada de posição como uma inflexão radical (mas não centrista) da estratégia do Presidente quanto à atitude do MEP face às questões fracturantes. Desde sempre, antes e após o esforço de consensualização que realizámos, afirmámos publicamente que há pelos menos 100 questões mais prioritárias do que qualquer uma das questões fracturantes que nos vão acenando. Ainda que pessoalmente, incluísse a questão do casamento gay entre as minhas 100 questões mais importantes, como cheguei a afirmá-lo, consegui entender e defender que o espaço político e mediático está há demasiado tempo condicionado, viciado e entupido com questões fracturante e julgo ter sido desde a primeira hora um defensor desse posicionamento do MEP.
Procurámos uma opinião consensual a nível interno, procurámos que essa posição pudesse ser fonte de pontes e consenso a nível externo, recusámo-nos a colocar expressamente qualquer referência explícita nos nossos programas fundacional e eleitoral e fomos protagonistas de causas muito caras e alheias a esta matéria. Contrariamente a outros, nunca agimos sobre estas questões, apenas reagimos quando interpelados. E, na minha opinião, quando me apresentei a deputado todos estariam à espera com naturalidade que se eleitos, teríamos votações diferentes reflectindo a diversidade do MEP nesta matéria. Em bom rigor, quem é favorável à posição de alargar o casamento civil a pessoas do mesmo sexo que votou no MEP sabia que muito provavelmente estaria a eleger um deputado ou dois, no máximo e que dessa votação sairiam eleitos que votariam contra a alteração da lei. Mesmo assim, todos nos dedicámos e empenhámos de forma determinada, afinal, esta questão não era prioritária nem fazia parte das razões fundamentais que nos teríamos unido em torno do MEP.
Hoje, na eminência de mais uma guerra de trincheiras nacional, estaríamos em condições para voltar a fazer a diferença, mostrando que há uma via alternativa para o entendimento bem menos fracturante. Algo com que, na minha opinião, nos comprometemos junto do eleitorado.
Na minha opinião, tudo isso deixou de ser coerente com a defesa pública de um referendo sobre a questão do alargamento do casamento civil a pessoas do mesmo sexo por parte do Presidente do MEP. Como é óbvio só questões da máxima relevância nacional e/ou para as pessoas, para os partidos que as venham a endossar, podem e devem ser referendadas. Em devido tempo sempre sublinhamos a baixa prioridade e em nenhum momento informámos da relevância extrema que o tema teria para nós quando fosse inevitável uma decisão. E como já disse nada nos nossos documentos dava sequer essa indicação. Na minha opinião até a nossa definição de família é suficientemente abrangente para acomodar casais do mesmo sexo.
Agora, o Presidente do MEP colocou-nos na primeira linha de frente de batalha que se avizinha, defendendo um referendo onde forçosamente teremos que aceitar um posicionamento maniqueísta como facilmente se pode ver desde logo pelo enquadramento previsível e inevitável que os jornalistas fizeram e farão dessa posição.
A confiança é de facto fundamental e reconheço que pessoalmente estou perante uma situação que ainda que achasse possível cria ser altamente improvável. Parente aquilo que pode ser considerada a primeira hora da verdade em matérias fracturantes, olhando para trás, não tenho a mínima dúvida de que podíamos e deveríamos ter feito muito melhor por nós e entre nós em matéria de confiança e honestidade. É porque acho que este posicionamento acaba por ser desonesto para com o nosso eleitorado (há omissões que conseguem ser tanto ou mais danosas que acções) sendo também mais um péssimo exemplo a juntar a muitos outros sobre a forma de estar na política, que me mantenho fiel àquilo que sempre defendi e em que acredito.

Quem sempre achou que esta questão, se viesse a ser colocada em cima da mesa, exigia um debate alargado, devia ter defendido isso no momento certo no interior do MEP e procurado que o MEP fosse fiel a essa vontade e fosse, na medida do possível, protagonista para que esse debate se fizesse. Isto não cai na esfera da opinião pessoal, isto colide com a forma como classificámos estas questões quando fomos inquiridos sobre elas. Isto faria todo o sentido mas há largos meses atrás, particularmente sendo evidente que outros partidos há muito tempo tinham eleito esta questão como um aspecto central do seu programa eleitoral que apresentariam a eleições assumindo com isso as consequências (eles) de cativarem ou afastarem eleitorado nas eleições.
Objectivamente devíamos ter defendido que esta é uma prioridade política para o país ao ponto de os mecanismos regulares e normais (leia-se democracia representativa) claramente não bastarem. Acho que seria desta forma que contribuiríamos para enobrecer a política e para dar bom uso à nossa democracia e, claro, só assim, agora, teríamos autoridade, sem perder a face, para estar do lado dos que dizem um mês depois das eleições que o parlamento é incompetente para legislar devendo a decisão ser entregue à democracia directa do referendo.

Mas perante o que fizemos e dissemos, se tivéssemos eleito um deputado que fosse, não estaria à espera que este viesse agora dizer que “eu como deputado não tenho competência para votar esta questão e por isso quero ajudar a convocar a decisão popular directa simpatizando com um referendo”. Para sermos honestos, devíamos ter sublinhado isso antes das eleições e traçar esse limite ao mandato que pedíamos às pessoas. Não o tendo feito parecia-me legítimo esperar que achávamos o parlamento competente. Parecia-me legítimo esperar que estaríamos na primeira linha daqueles que se oporiam de forma clara e inequívoca à escalada política inerente a um referendo.

Quem nos prestou atenção soube perfeitamente que estávamos divididos (como o PSD ou mesmo o PS estão), percebeu também qual era a posição da direcção quanto à questão de fundo. Quem sentiu profundamente a importância destas questões e fazia delas matéria absolutamente inegociável e fundamental para decidir em quem votar (fossem liberais ou conservadores), objectivamente não votou no MEP. Em consciência e em verdade, só os moderados, capazes de fazer concessões e que foram capazes de aceitar ou até defender que de facto não precisamos de outro Bloco de Esquerda ou de um seu simétrico à direita em relação a estas matérias votaram no MEP. Muito francamente só assim, ao centro, também e em particular nestas questões de “costumes/sociedade”, acho que teríamos alguma hipótese de afirmação erguendo o que defendemos no nosso programa como a nossa matriz de afirmação política.
O que acho que deveríamos ter feito era aquilo que o líder parlamentar do PSD fez, de preferência antes dele. Afirmar um não contundente ao referendo, que não serve os melhores interesses do país, em particular nesta conjuntura, (só os do PS) e propor uma terceira via, a solução francesa que até ontem ninguém tinha advogado e que, se releres o documento da direcção sobre esta matéria na sua versão final, se enquadra perfeitamente no consenso a que chegámos.
Nada custaria dizer que os órgãos internos do MEP vão reunir para tomar uma decisão que envolve uma questão de fundo que como sabem é sensível. A “pressa” de dizer que o referendo é uma opção política aceitável neste contexto produziu a meu ver um dano nas reais possibilidades de algum dia virmos a poder congregar pessoas centristas que não vejo como reparar. Como seria de esperar estamos agora totalmente colados aos movimentos da igreja e claramente encostados ao extremo mais conservador do espectro em matéria de costumes/sociedade.
Eu fiquei no MEP depois daquele conselho nacional porque após um tremendo susto (cheguei a dizer que na sua versão inicial o documento era claramente o testemunho mais conservador presente no nosso espectro político partidário) tive provas de que era uma construção colectiva, de que apesar das convicções profundas, perante o debate, houve lucidez e discernimento que, para o MEP do centro radical ter um caminho, era necessário ajustar as propostas iniciais, fazer concessões e sacrifícios pessoais em favor de um bem maior, que havia de facto muitas outras causas nas quais nos deveríamos concentrar e sobre as quais agir da melhor forma que soubéssemos. Faltava contudo a prova final que calhou na rifa ser a de pedir um pouco mais de quem não quer que nada mude nesta matéria concreta. Não porque exigisse que não pudesse falar ou ter opinião sobre a matéria de fundo mas porque, para se ser coerente com o que se afirmou e com o que se escreveu nos nossos programas, a opção referendária é um absurdo completo. O último cartucho teria de ficar por disparar.
Perante tamanha diferença de sensibilidade quanto àquilo que me parecia cristalino, deixo de saber o que esperar face a alguns consensos a que chegámos e à interpretação “genuína” do que inscrevemos nos nossos programas.
Acreditem que saio sem mágoa ou arrependimento. Foi um ano e meio fantástico em termos humanos, fiz imensas amizades que conto continuar a alimentar por muitos e bons anos. Saio sem dívidas e sem ser credor de coisa alguma e, garanto-vos que NÃO estive 4 meses a mais no MEP como diria o meu estimado ex-treinador do Sporting.
Politicamente, os caminhos separam-se. Não acredito que o MEP, face aos ambiciosos objectivos que foram definidos, tenha qualquer hipótese de sucesso palmilhando um caminho claramente conservador em matéria de costumes e acho que não é claramente quanto a estas questões que fazia e faz falta uma voz de esperança e de confiança no nosso país. Há imensos protagonistas, um pouco por todos os partidos, para estas causas, seja qual for o posicionamento quanto à questão em si. Se assim fosse em relação a todas as questões que nos uniram, nem sequer faríamos falta ao país.
Para o MEP poder ser de facto um partido ao Centro, de charneira, condicionador dos grandes e ameaça construtiva pela positiva, teria de ser capaz de congregar todas as forças vitais que se revelassem capazes de superar as divergências nestas questões, concentrando-se de corpo e alma no manifesto e no programa político que conseguimos erguer. Pela minha parte, este não é contudo um cenário que me mobilize e com a mesma liberdade com que entrei, me despeço garantindo que irei continuar como cidadão a dar o meu contributo empenhado pelo país.

Com um forte abraço,
Rui Cerdeira Branco”

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