É sempre preferível alguém de fora fazer este discurso que se segue (no Púbico de hoje). Agradecimentos a José Miguel Júdice.

Laurinda Alves na linha de partida

17.04.2009, José Miguel Júdice

Os jornalistas ajudaram o BE a nascer, amamentaram-no, mudaram-lhe as fraldas, disfarçaram-lhe as traquinices

Uf! Finalmente temos todos os cabeças de lista para as eleições europeias conhecidos. Custou, mas foi. E o meu coração está habitado por alegria e paz. Talvez por isso afirmo: previa pior e acho que os portugueses terão a possibilidade de escolher entre candidatos de qualidade bem acima da média – admita-se que bastante baixa… – da classe política portuguesa.
Realmente Miguel Portas, Ilda Figueiredo, Vital Moreira, Paulo Rangel, Nuno Melo e Laurinda Alves asseguram respeitabilidade, animação, combate duro, energia a rodos, boa televisão – o que não é pouco nos tempos que correm.
Laurinda Alves? Perguntará o amigo leitor, pensando talvez que acrescentei um nome feminino para cumprir a lei das quotas. Ou, pior ainda, pensando que é um lapso meu. Não, amável leitor. Laurinda Alves existe: é uma brilhante jornalista, que se revelou politicamente no combate do referendo ao aborto (do lado da penalização), que é uma pessoa decente e representa um novo partido (sabia isso ao menos, leitor desatento?) que se chama Movimento Esperança Portugal. O MEP tem como ambição situar-se numa zona entre o PS e o PSD; por isso, num lugar mais congestionado do que a famosa Praça do Marquês de Pombal, antes do túnel, que revelou um triste Frei Tomás do início do século XXI em que se transformou um catãozeco do final do século XX.
Falemos pois um pouco do MEP. Começando por registar que a comunicação social lhe não tem dado atenção rigorosamente nenhuma – o que, registado, me permite abrir a boca com surpresa. Pois então entra no mercado um novo produto para concorrer com os que já por aí andam, velhos e relhos, e nem assim merece a atenção de uma reportagem, a graça de uma entrevista, o favor de uma curta notícia?
Isto é, em minha opinião, um mau sinal e um contributo para a perpetuação do oligopólio em que se transformou o sistema político-partidário português. Na semana passada avancei que os votantes em eleições internas dos partidos correspondem mais ou menos ao número de eleitos para órgãos autárquicos e de assessores. Ajuda amiga permite-me afirmar que acertei. Tomando o PSD como exemplo, tem cerca de 30.000 eleitos e… cerca de 30.000 votantes nas eleições internas. E, a propósito, o nosso pequenino torrão à beira-mar plantado elege 70.000 autarcas de quatro em quatro anos!
Em qualquer mercado minimamente eficiente, a entrada de um novo player é saudada pelos consumidores, pois irão beneficiar de ideias novas, concorrência acrescida, menores custos e melhor serviço. Os media, que para si definiram o estatuto de “provedores da cidadania” e de “látego de infiéis”, deveriam ter pegado neste novo partido e levá-lo ao colo até que pudesse estar em condições de sobreviver. Pelo menos, deveriam fazer-lhe promoção no valor equivalente ao subsídio que os seus concorrentes recebem do Estado e que para ele não existe.
Em segundo lugar a origem do MEP. Rui Marques é o seu líder. Ganhou notoriedade com o barco que foi a Timor, foi alto-comissário para os Emigrantes, começou na Rádio Renascença e está ligado à Igreja Católica. Imagino que nos quadros do novo agrupamento estejam muitas pessoas que ganharam o apetite da coisa pública no referendo sobre o aborto. De um lado e do outro, esse referendo permitiu revelar novos rostos, novas personalidades, e por acréscimo pessoas que estavam a lutar por aquilo em que acreditavam e não por uma talhada no melão da coisa pública. Eram genuínos, idealistas, vinham da sociedade civil e podiam servir para regenerar os partidos. Infelizmente, pelas razões que expliquei na passada semana, foram considerados em regra como ameaça às sinecuras, como incómodas cabeças pensantes, e os partidos – que os usaram na campanha – puseram-nos de quarentena, assobiaram para o lado, esqueceram-nos e continuaram na mesma, como a lesma. Estou convencido que por trás do MEP está assim uma vocação, uma frustração e uma convicção.
Em terceiro lugar, o posicionamento. Historicamente essa era a posição desejada pela Igreja Católica para os partidos democratas-cristãos. E ainda hoje os que sobrevivem na fidelidade ao seu ideário original por este tipo de espaço se mexem. O lugar faz sentido, na medida em que pretende associar o conservadorismo dos valores morais com o progressismo das preocupações sociais, mas fazendo isso a sério e não apenas para piscar o olho ao eleitorado de quatro em quatro anos. O espaço está congestionado, mas a fragilidade e falta de valores e de princípios dos partidos velhos, transformados que estão em máquinas de alocação de postos e postas, abre uma janela de oportunidade. Já sei, o PRD também, etc. e tal. Só que estes agora parecem-me sinceros…
Por tudo isto, estão todos na linha de partida e a corrida pode começar. Peço, pois a especial atenção para Laurinda Alves e para o MEP. Peço aos holofotes dos telejornais que lhes dêem alguma luz. Sugiro aos plumitivos que estudem e comentem o recém-nascido. Podem dizer que é lindo, ou feio, que tem boa ou má pinta, digam bem ou digam mal, mas não ajudem a criar (ou consolidar) a profecia disparatada de que em Portugal não é possível criar novos partidos. O Bloco de Esquerda aí está a demonstrar – apesar dos seus erros, da tendência catónica e do radicalismo populista inconsequente – que novas caras, novos métodos, novas estratégias e novas ideias e posicionamentos conseguem ter sucesso.
Dizia-me um grande intelectual há anos, e ele conhece-os, que os jornalistas eram (e devem continuar a ser) sobretudo do BE. Talvez por isso, ajudaram-no a nascer, amamentaram-no, mudaram-lhe as fraldas, disfarçaram as traquinices, fizeram-lhe bli, bli, bli no labiozinho e não se cansaram de nos dizer – embevecidos – que começou a falar cedo e bem.
Talvez fosse assim boa ideia fazerem o mesmo ao MEP. Seria justo. E, se calhar, também seria divertido. “

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