Do lado gay, teremos pelo menos dois motivos fortes para defender o acesso à figura do casamento.

Temos a questão simbólica. Admitir o casamento funciona como comprovativo de aceitação social da homossexualidade. Apesar do casamento estar em crise enquanto solução contratual (a avaliar pelo redução de número e pelo incremento nos divórcios), é ainda um símbolo significativo. Diria mesmo, particularmente significativo quando se lhe junta o casamento religioso católico, comunidade entre a qual o casamento mantém de forma mais impressiva os seus pergaminhos simbólicos. A mesma comunidade, recorde-se onde é corrente encontrar maior oposição ao reconhecimento da questão gay, fruto em boa parte do posicionamento social da religião que professam.

Temos a questão prática. Há diferença objectivas entre os direitos e deveres contratualizados num casamento e os direitos e deveres próprios de uma união de facto reconhecida.

Do outro lado, temos quem se opõe ao reconhecimento do direito de casamento. E a oposição faz-se, entre outros:

Porque não reconhecem que haja razões objectivas de monta que tornem a solução da união de facto reconhecida insuficiente.

Porque acham que o reconhecimento social não se decreta e, face ao próprio carácter ortodoxo da figura do casamento, a sua busca por parte dos gays não passa de mera provocação numa área onde a denotação “casamento” tipicamente tem apenas uma conotação, confundindo-se civil com religioso.

O que fazer perante estas divergências? Pessoalmente parece-me que uma terceira via não resolveria grande coisa. Inventar uma nova figura entre o casamento e a União de facto (como se fez noutros países) poderia levar apenas a que se criasse um terceiro estado civil para os gays, o que não me parece de todo desejável, se nos preocuparmos com a estigmatização inerente. Mas admito rever esta posição perante mais esclarecimento. Por outro lado, a batalha pelo reconhecimento numa sociedade dividida nesta matéria, parece-me que deve assentar fundamentalmente na igualdade de direitos e deveres e não na procura de legitimação por via de uma perseguição ostensiva dos símbolos mais caros a quem legitimamente tem uma visão menos liberal das relações sociais.

Pesando os prós e os contras, que decisão/posição tomar?

Objectivamente há diferenças dos direitos e deveres salvaguardados pela figura do casamento face à da união de facto. Mais que não fosse o da eficácia imediata – não carece de dois anos de conjugalidade para ser reconhecido.

Objectivamente, o casamento de que falamos é o casamento civil nada implicando com as concepções religiosas de cada um, ainda que subjectivamente seja uma matéria sensível.

Objectivamente, negar o acesso ao casamento a um par de homens ou de mulheres que resolvam partilhar afectos e assumir responsabilidades um com o outro seria praticar discriminação com base na orientação sexual dos mesmos. A protecção, segurança e enquadramento social inerentes ao casamento, parecem-me suficientemente flexíveis para poderem mediar eficazmente tanto casais heterossexuais com prováveis filhos, quanto outras formas de família. Porquê limita-lo a isso tendo por base exclusivamente o sexo dos contratantes?

Estou muito mais confortável com esta visão de Estado e de sociedade do que a que teria de assumir se me opusesse à aceitação do casamento civil de homossexuais. Diria mesmo que já é tempo de passarmos adiante para abordarmos questões talvez menos fracturantes mas bem mais determinantes para o nosso bem-estar e futuro colectivo.

Rui M Cerdeira Branco

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