Porque o discurso de Mário Soares não me parece absurdo e porque antecipo um surto de virgindade fica o excerto da entrevista hoje concedida ao Diário Económico (António José Teixeira) na parte que se refere à Venezuela. São mais os pontos de sintonia do que os de desconforto – como aquela bizarra "distinção" entre fechar e não renovar uma concessão de TV – face ao que por lá leio. Aqui fica:

" (…) encerrou um canal de televisão…
Há cerca de duzentos e cinquenta mil portugueses na Venezuela. Não devemos esquecer isso. Por outro lado, não devemos diabolizar Chavez, nem proceder com ele como a América tem procedido com Fidel, sobretudo quando Cuba  está a entrar numa fase de transição. Aliás, Chavez, não fechou um canal de televisão. Apenas, no final da concessão, não lhe renovou a licença. Era um canal de uma imensa agressividade e impertinência para com o Presidente da República eleito. Vi em Caracas algumas emissões e sei o que era.

Imagino que no lugar de Chavez não fizesse o mesmo…
Desculpe, mas esse é um tipo de pergunta que não tem sentido. Sou português, europeu e tenho outro tipo de formação. Não sou militar nem, como Presidente da República, sofri nenhum golpe, apoiado pela CIA, para me derrubar. Nem nenhuma tentativa de assassinato. Chavez é um Presidente eleito por uma esmagadora maioria, em eleições internacionalmente fiscalizadas e consideradas genuínas por todos os observadores, entre eles o Presidente Carter. A televisão em questão emitia com uma concessão do Estado que terminou e não foi renovada, É tudo! E não se esqueça que continuam três televisões privadas de uma violência anti-Chavez enorme.

Podemos dizer que a Venezuela é uma democracia?
Chavez foi eleito democraticamente. Reconhece a Oposição. Não é Pinochet, nem chegou ao poder com a benção dos americanos. Isso é verdade…
Por outro lado, para ir ao fundo da questão, sempre entendi – e entendo – que um homem político não deve ter medo de falar com quem quer que seja. Quando fala com alguém, isso não quer dizer que tenha as ideias do seu interlocutor. Os americanos não branquearam Kadafi, depois de o terem diabolizado? Não estão a negociar com Kim Il Sung? A caça às bruxas é sempre politicamente estúpida e, a prazo, inconveniente. Percebo que se goste ou não do Chavez. Mas não o diabolizemos nem o empurremos, com a nossa agressividade, para o radicalismo e para os braços de Fidel.

Explique melhor.
Se não tivesse havido tentativa de invasão da Baía dos Porcos e o bloqueio, que se lhe seguiu, é possível que o regime cubano se tivesse democratizado. Agora parece que poderemos vir a entrar, em Cuba, numa fase controlada de transição. A UE tem interesse em a ajudar. E, para tanto, é útil manter um diálogo amplo com países como a Venezuela, a Nicarágua, a Bolívia e o Equador…

Chavez não devia ter sido remetido ao ostracismo?
O ostracismo não é um caminho conducente à paz. É um caminho que conduz à crispação e ao conflito. Há dois ou três anos, defendi que era preciso conhecer melhor os "terroristas", saber o que pensam, o que os move. Caiu-me em cima o Carmo e a Trindade. Mas quando é preciso libertar certos reféns, com quem falam os americanos e europeus? Não será com terroristas ou com os seus representantes? Não percebo os escrúpulos em relação a Chavez! É a falar que as pessoas se entendem. (…)" 

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