Escreveu cinco romances em três tempos. Primeiro dois. Depois outros dois e finalmente um. Entre a primeira linha e a última, a semente germinada do pinho, plantada em boa encosta beirã, não o ultrapassou em altura. Editados, publicados e bem vendidos, sobrou-lhe a amplitude do braço para pôr a estrela no cimo da sua árvore de natal bem aventurada.

Ontem, inundado de louvores, agraciado por admiradores e bajuladores, enquanto se esforçava por se humildar e manter firmemente algures entre o "nascer, com sorte viver e depois morrer", saiu-lhe ao caminho uma pergunta que rebolou lá por dentro, o suficiente para encontrar abrigo para reaflorar na serenidade das passadas solitárias rumo a casa com que conseguiu fechar o dia.

"Porque é que você, e tantos outros jovens escritores portugueses, se agarra tão firmemente à morte para desenrolar os seus sublimes romances?" 

Perguntinha a merecer um aforismo por resposta. Um remate de classe. Um sinal inequívoco de saber. Uma belíssima pergunta que era todo um programa. Fazia dele porta-voz da recem criada geração nova, detentor da chave de ouro que firmaria as décadas vindouras coladas à sua imagem e aos romances que viessem dele e de outros, desde que sempre agarrados à morte.

Porque raio deu ele então aquela resposta? A cada passada na calçava, com raiva, como se ele próprio estivesse no chão que pisava, fincava um pouco mais as pontas dos pés no gesto final de se elevar para o passo seguinte. Porquê uma resposta tão prosaica e sem chama? Porquê um desvio para o infinitamente mundano? Porquê aquela soberba insuportável?

"A morte é o último reduto da escrita perante a ostensiva tomada pelo inimigo de todos os restantes sentimentos e seus gatilhos, instrumentalizados, por exemplo, ao serviço do romance histórico, da literatura light e dos guiões das novelas televisivas."

Chegado a casa, atirou-se ao computador, fez-se personagem e matou-a logo ali, a meio da primeira página, esmagada por um ecoponto que se soltou do guindaste da recolha, incapaz de suster o imenso peso do papel para reciclar.

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