1. "Um país não se pode mutilar e continuar incólume e em silêncio face a si mesmo."

2. " (…) Em Abril de 1506 a cidade de Lisboa vivia os horrores da peste e da impotência. Os habitantes procuravam através de rituais e cerimónias sagradas manter a fé. Reforçavam-se os apelos à misericórdia divina.

No dia 8 desse mês, comemorou-se o Domingo de Pascoela. Por toda a cidade se realizaram procissões e serviços religiosos em memória dos que haviam sido levados pela doença e em favor dos pecadores que aos milhares rogavam por vida sã.

Segundo mais tarde apuraram os conselheiros d’ El Rei e os nossos repórteres, no Mosteiro de São Domingos, o solo sagrado esteve perto de ser tingido de sangue, sangue de cristão-novo.

Em pleno serviço, aos gritos de “Milagre!”, entoados pela massa ávida por revelações e apoio divino, sobrepuseram-se as considerações de uma alma menos crédula.

Uma luz ou um sinal? Um cristão-novo apregoava que o que se via no altar era um reflexo de luz, que entrava por uma fresta; a multidão indignou-se perante a negação da sua visão e encontrou assim sobre quem exercer a catarse. Um alvo perfeito por ser estranho, diferente, introvertido e invejável na riqueza, um culpado inquestionável: o «Assassino de Jesus!».

Num ai, toda a cidade gritava as palavras condenatórias, toda a cidade espancava e sofria. Em dois dias morreram mais de dois milhares de cristãos-novos, às mãos de outros lisboeta, atiçados por ditos “puros” da fé cristã. Estava consumado um dos dias mais sangrentos da história desta cidade.

Sua majestade, indignada com o desrespeito pelas suas ordenações sobre os cristãos-novos, puniu severamente os “puros” e mais 50 de Lisboa morreram em consequência; desta feita, na forca. A cidade perdeu alguns dos favores d’ El Rei e o país, ou se calou por vergonha, ou ficou num murmúrio cúmplice.

Hoje, passados 10 anos, são ainda frequentes quezílias com pretexto religioso e o massacre, se bem que nunca mais repetido, surge ainda bem vivo na memória de uns e de outros, atravancando a boa vivência entre todos os de Portugal. (…)

 A Matança da Pascoela ocorreu de facto e é um episódio histórico também conhecido como o Progrom de Lisboa. O texto inspira-se em alguma informação recolhida sobre esse evento. No corrente ano de 2006 comemora-se o cinquentenário deste acontecimento."

3. "Renovo mais uma vez o desafio feito antes aqui: que no dia 19 de Abril vão à Baixa de Lisboa e no Rossio acendam uma vela simbólica por cada uma das vítimas. Quatro mil velas que iluminem a memória. – Por Nuno Guerreiro"

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