José Tavares protagonizou ontem um exemplo memorável e inspirador ao interpelar directamente o Primeiro-Ministro numa sessão pública sobre uma questão mal resolvida que aparentemente vai percorrendo um velho ciclo usado frequentemente em política: a não decisão rumo ao esquecimento.

O Primeiro-Ministro entrincheirou-se na resposta puxando dos galões e catalogando implicitamente de insubordinação, a interpelação de que foi alvo por parte de um funcionário público. É uma opção razoável – porque o risco de insubordinação existe e o exercício da autoridade um dever – mas como sempre que se recorre à autoridade, a atitude também contém os seus riscos. A nós cabe-nos enquadrar a história que levou a este episódio mas, fundamentalmente, avaliar da razoabilidade da interpelação.

Neste caso acho que a atitude de José Tavares se justificou plenamente a bem da transparência da acção governativa (porque raio o homem tinha deixado o Plano Tecnológico e porque Manuel Pinho perdeu a tutela?) e, já agora, a bem da relação futura entre o Governo e o aparelho do Estado.

Tendo José Tavares sido responsável pela definição do Plano Tecnológico, é razoável vir a inquirir publicamente o PM sobre o andamento do dossier que levou, provavelmente, ao seu abandono de funções? Se calhar esta não é a pergunta certa. Se calhar o que interessa saber é se José Tavares fez mais do que o que seria exigível e recomendável a um cidadão bem informado: inquirir o PM sobre uma matéria da sua exclusiva responsabilidade que, objectivamente, está por esclarecer publicamente.

José Tavares foi incómodo porque cumpriu o seu papel. Estará a defender mais interesses além do básico interesse do respeito pela responsabilidade de cidadania? Talvez sim, talvez não. Mas bem vistas as coisas essa matéria não é muito relevante, tudo porque enquanto cidadão o que mais me interesa é que alguém fez a pergunta ao PM. Se ninguém faz as perguntas, como podemos ter as respostas? Em suma, José Tavares não deve merecer a crítica de ninguém, apenas o elogio.

Restam ainda alguns pormenores importantes.

  1. A pergunta que José Tavares fez poderia e deveria ter sido formulada por qualquer jornalista da nossa praça e não foi.
  2. Um funcionário público pode e deve ser um cidadão completo, talvez mesmo mais assertivo do que outros pela especificidade das funções de exerce. Um funcionário público (com excepção feita aos Militares) não tem neste país nenhuma limitação aos seus direitos de cidadania ainda que seguir o exemplo do José Tavares desencadeie demasiadas vezes punições concretas, mais ou menos  dissimuladas, por parte de nefastos poderes (o que confere uma trágica heroicidade e contribui para a raridade de actos como o de ontem).
  3. Se todos nós, funcionários públicos, cumprissemos com maior aplicação este desígnio de cidadania, teríamos um país melhor.
  4. Tendo bem presente que a insubordinação não tem desculpa convém não esquecer que a subserviência não pode ser uma opção para um funcionário público.
  5. O Plano Tecnológico não é "uma coisa qualquer" porque o conceito foi criado para ser algo mobilizador e fulcral na acção do actual governo.
  6. O Primeiro Ministro também é um Funcionário Público.

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