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Na sequência da entrada "O esgotamento financeiro da Seg. Social – uma notícia requentada" recebi, entre outros, a visita do Marco Ferreira (co-autor do estudo a que aludi no post) que invoca o direito de resposta e me interpela com algumas questões no novíssimo blogue Vícios Públicos & Virtudes Privadas de que é co-autor com o António Duarte.

De todos os argumentos que levam o Marco a refutar a crítica, a meu ver suave e cautelosa, que fiz ao que conheci do referido estudo pela comunicação social, aquele a que sou mais sensível é a de me poder ter precipitado perante tão pouca informação disponível. Afinal não tive acesso ao estudo que se encontra em progresso. Ainda assim, quando escrevi sobre o estudo " (…) ligando inexoravelmente a privatização de uma parte do sistema à solução do problema me parece eivado de alguma desonestidade intelectual" fi-lo de forma ponderada.

Note bem caro Marco, ao título da notícia "Solução é descontar já para o privado", junte a isto o facto de, na peça da RTP em que o António foi entrevistado, se extrair como principal conclusão/solução para o problema a frase em que o António diz precisamente isso, algo como "A solução passa por descontar uma parte para o Estado e outra para um fundo privado".

É aqui que eu acho que se está a cavalgar o problema no sentido de camuflar como solução algo que em abstracto não tem que entrar para já na discussão e que por si só não resolve o problema imediato – daí me parecer haver alguma desonestidade intelectual. Digamos que, no mínimo, estou curioso em lêr o vosso preâmbulo histórico de como justificam ter-se chegado ao actual problema.

Digo isto porque a questão de quem gerirá o dinheiro é objectivamente irrelevante para resolver o problema existente (provem-me o contrário). Quanto muito resultará de uma decisão iminentemente ideológica, mas como digo, que deveria ser alheia ao fundamental de qualquer solução técnica para o problema actual.

Corrija-me se estiver errado, por favor:

Um trabalhador do regime geral espera hoje receber uma reforma proporcional, ao montante das suas contribuições ao longo da carreira, contribuições essas que se traduzem num desconto mensal de 11,5%. O que propõem é desafectar uma porção dessa contribuição da lógica da proporcionalidade, ou seja, independentemente dos 6% do individuo A serem 100€ e os do indivíduos B serem 500€, por conta desses 6% do rendimento mensal de cada um, ambos passariam a receber o mesmo, ou seja, uma reforma igual ao salário mínimo.

Adicionalmente, garante-se que as reformas dos dois indivíduos sejam distintas através da manutenção da relação de proporcionalidade em volume para os remanescentes 5,5%. Ou seja, ao salário mínimo de reforma cada um acrescentaria uma outra parcela, essa sim tão grande quanto maior o valor do rendimento mensal base sobre o qual se calcula a contribuição. É mais ou menos isto, certo?

É este método de cálculo explícito e implícito (faltam os detalhes) que resolverá o problema. Um método brutal, não porque os seus promotores são brutos, mas porque inequivocamente se traduz numa alteração dos valores das reformas de sentido negativo para todos aqueles que pelo método actual recebem mais do que um salário mínimo por conta de 6% dos contributos que fizeram ao longo da sua carreira.

Note, Marco Ferreira, que brutal é um adjectivo que não tráz atrás um juízo de valor. Culpa minha pois devia ter deixado isso mais claro. Lá por ser brutal, não quer dizer que não deve ser uma hipótese a ser considerada. Qualquer medida que garanta a sustentabilidade do nossa tão desequilibrado sistema será dolorosa.

Como vê, para começo de conversa (muitas outras hipóteses deverão ser consideradas além desta), não desclassifico para discussão o que propõe nos termos em que o descrevi.

Qual é então o problema? O problema é aquele " A solução é descontar já para o privada".

Como se viu, a solução não tem nada a ver com quem gere. A solução passa apenas e só por reduzir de forma generalizada o valor das reformas para que o dinheiro existente e o fluxo recolhido consigam cobrir este novo compromisso de reformas. A solução que preconizam pode perfeitamente ser gerida pelo Estado ou por uma entidade privada, falamos de gestão pura e dura de fluxos financeiros. E o Estado também pode contratar bons gestores, como o fez no passado aliás. Esta é aliás uma área onde a avaliação de desempenho é facilmente mensurável.

Naturalmente que podemos divergir quanto às melhores ou piores capacidades de gestão de cada uma destas entidades, mas essa é já outra conversa, uma conversa que nos tempo recentes, com a banca a querer livrar-se dos fundos de pensões dos seus funcionários passando-os para a gestão pública da Segurança Social, ganhou argumentos aparentemente (só aprentemente) inesperados.

Feito este esclarecimento julgo que as minhas respostas às suas três perguntas muito concretas são mais compreensíveis, ainda que as próprias perguntas me mereça inúmeras observações que me dispenso de qualificar e enunciar por motivos de legibilidade de um post que já vai longo:

" 1) O Rui entende que compete ao Estado Social assegurar da mesma forma reformas de 500, de 5.000 e de 50.000 € mensais?"

Resposta: Porque não? Se existisse um sistema que garantisse a sustentabilidade da coisa (quem recebe mais é quem mais contribuiu) não tenho nada contra por princípio. Tem de ser competência exclusiva do Estado? Bem aí já é diferente. Acho que o Estado deve poder concorrer nesta matéria tão melindrosa com o privado. Acho que deve haver um mínimo obrigatório que o Estado deve conseguir garantir via recolha de contribuições (posso explicar porquê). Dito isto a vossa exclusividade do Estado Social limitada a uma contribuição obrigatória de 6% não me choca per si. Chocar-me-á que haja 5,5% de contribuição a entregar obrigatoriamente a um privado, por exemplo.

"2)      O Rui entende que se justifica que um trabalhador receba menos reforma para o mesmo nível de descontos só para manter a teimosia do sistema exclusivamente público?"

Resposta: Esta sinceramente não percebi. A vossa proposta defende que um trabalhador receba menos reforma para o mesmo nível de desconto não mantendo o sistema exclusivamente público, certo?

"3) O Rui acha que é justo que todos venhamos a pagar mais impostos no futuro, porque a segurança social vai pr
ecisar de crescentes transferências do Orçamento de Estado para manter aquela mesma teimosia?"

Resposta: É claro que não acho justo que todos venhamos a pagar mais impostos no futuro (particularmente na actual conjuntura de recessão perene) porque a segurança social vai precisar de crescentes transferências do OE. Mas isso não se deve ao facto de haver uma teimosia. Ao porem as coisas nestes termos, parece que defendem que se se agarrasse no actual sistema, com as mesmas medidas de acção social e fontes de receita e as entregassem a privados não teriamos chegado a este ponto. Como eu julgo que não pensam isto (estarei enganado?), o ponto de acordo que acho podermos encontrar é definir:

Um conjunto sustentável de medidas de acção social garantidas exclusivamente pelo Estado, no fundo redesenhar o Estado Social de modo a que este se pague pelas suas próprias receitas.

Qualquer medida neste sentido terá sempre o seu quê de brutalidade. Encontrar a melhor é o principal desafio. E aqui não sei porque é que a lógica tem de ser lump sum, em que todos recebem o mesmo. Porque não tendencialmente proporcional mas a um nível inferior ao actual de modo a garantir que as contribuições financiem as reformas e ainda sobre algum para situações de indigência? Mas se calhar, aqui é alguma diferença ideológica que me escapa que pode eventualmente justificar a divergência. Ou há mesmo razões técnicas que invoquem em defesa da não proporcionalidade?

Bom, mas seguramente na presença do Estudo ou de algum relatório preliminar ou mesmo no decurso de futuros artigos/diálogo via blogues, havemos de enterder-nos um pouco melhor.


Adenda:
Eu devo ter algum problema de comunicação sério ou então alguém anda hipersensível e não consegue chegar ao âmago da crítica. O António escreveu aqui o seu direito de resposta. Obviamente mantenho tudo o que disse a 8 de Abril de 2005 e que me parece de ser de forma alguma contraditório com o que aqui escrevi ontem e hoje, nas linhas ali de cima. Aguardo serenamente para mantermos uma serena discussão e já agora, por uma melhor definição de desonestidade intelectual. Pessoalmente acho que a pior coisa que me pode acontecer quando entro num debate tentando defender uma posição (por exemplo baseada num estudo que terei feito) é ser olimpicamente ignorado. Acho que não há motivos para se desalentarem com estas minhas críticas. Antes pelo contrário.

Nota: Esta “conversa” começou neste post.

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