Este post é dedicado ao Paulo Gorjão que tem o blogue com mais citações por post quadrado da blogoesfera lusa e que olimpicamente tem ignorado sucessivas referências e interpelações mais e menos directas de que tem sido alvo por aqui e por ali

Há ou não um tabu sobre a energia nuclear em Portugal. Sim há.
Há ou não um tabu sobre a energia solar em Portugal? Sim há.
Há ou não um tabu, sobre o da energia eólica. Talvez agora já não haja, mas acabou há muito pouco tempo.
Há ou não um tabu sobre outras formas de aproveitamento energético recorrendo a energias alternativas? Sim há (pelo menos no Continente). 

Se não fosse esta coleção de tabus, hoje tinhamos o país cheio de centrais solares fotovoltaicas, eólicas e talvez mesmo nucleares. Provavelmente o nível de desenvolvimento científico e aproveitamento das ondas e das marés, da energia geotérmica, da biomassa, do biodiesel, entre outros, estaria mais desenvolvido. E talvez, não vivessemos num dos mais ineficientes países em termos energéticos. Em poucos lugares será preciso gastar tantas unidades de energia para produzir uma unidade de produto. Somos aliás uma aberração estatística: a produção nacional está estagnada enquanto o consumo energético não pára de crescer significativamente.

Para começo de conversa (se alguém se dispuser a conversar) era melhor abandonarmos a tanga do tabu. Cria mais anti-corpos do que beneficia a discussão. É assim como começar a falar de pactos de regime ou do "país de tanga" para pegar na palavra metediça que se colou ali atrás: a expressão, a tentativa de sobre-vitimização do assunto tabu-izado, dispensa-se. Alem disso surge colada a uma tentativa de querer discutir a energia nuclear como algo independente da problemática energética. Uma perspectiva que me parece de todo errada, alías próxima da que nos levou onde estamos em termos de dependência energética face aos combustíveis fósseis.

Petróleo, carvão, energia hidroeléctrica e, mais recentemente o gás natural, foram as apostas energéticas, durante décadas neste país. Objectivamente diversificámos um pouco o risco e, no que se refere à energia hidroeléctrica, conseguimos mesmo reduzir a dependência energética (à condição, importante, de não haver seca). Em 2003 -sublinho que não são valores médios – fomos, atrás da Aústria e da Suécia o terceiro país da União Europeia em termos de percentagem (36,4%) de energias renováveis no consumo bruto de electricidade (dados EUROSTAT). Como curiosidade, temos mesmo um dos territórios com menor dependência de combustíveis fósseis: São Miguel nos Açores com o aproveitamento da energia geotérmica para produção eléctrica em Ribeira Grande.

Imaginem o que há para fazer se, além de se ocupar com o patrocínio de um clusterzinho numa área especifica, o nosso governo começar a "evangelizar" o país no sentido da eficiência energética apostando enérgica e continuadamente no investimento directo em investigação e desenvolvimento e no equilíbrio entre a indispensável liberalização do mercado e a igualmente indispensável e irrenunciável regulação técnica do mesmo? Imaginem um governo, uma sucessão de governos, tendo por objectivo garantir o acesso, ambientalmente sustentável, a energia suficente para que não se constitua como um entrave ao desenvolvimento e à liberdade de acção nacional.

A discussão do nuclear não deve secar todas as restantes preocupações, algumas delas a exigir respostas bem mais imediatas ao nível da diversificação das fontes de energia. Até pela pesada herança que o nuclear carrega é frequente ler-se opinião de defensores desta forma de energia que dramatiza o problema energético, e aproveita a aceleração histórica do problema (que é real) em seu proveito, de tal forma que o não fóssil e o não nuclear são dispensáveis porque já deram provas da sua insuficência, apresentando de seguida o nuclear como a única esperança disponível. Se pegarmos na sucessão de tabus identificados no início do texto, facilmente se percebe o que penso quanto à justeza deste atestado de insuficiência.

Querer transformar a energia nuclear na solução providencial é errado porque é um objectivo que ela não deverá (conseguir) cumprir e que não terá de cumprir.

Exigir que terminem os avanços e recuos nos processos de licenciamento de novas unidades de produção de energia via fontes renováveis e exigir também que não haja apostas "decisivas", leia-se quase exclusivas, numa determinada fonte (a eólica, no nosso caso actual, a nuclear se passarmos a uma fase de desespero cego) parece-me o enquadramento correcto para a própria "questão" do nuclear e seguramente o mais útil aos interesses nacionais. É também o enquadramento realista para atacarmos no curto prazo o problema que temos pela frente, como podemos inferir de alguma da informação que o João nos tem facultado.

Sendo impossível abordar cada uma das questões que se têm levantado na discussão nacional sobre este tema (lembro-me, por exemplo, das conclusões no mínimo discutiveis que apontam para uma menor dependência nacional face ao combustível necessário para a produção de energia nuclear) termino com a constatação de que a "coisa" é bem mais complexa e tem de ser encarada em toda a sua diversidade.

De caminho vamos considerar também o nuclear como hipótese? Nada a objectar, desde que de tabu não passe a solução mirífica sem direito a um justo escrutínio. Um percurso infelizmente recorrente nos tempos que correm neste país em diversas áreas.

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Já agora e como à parte: atendendo ao que tenho lido e perante as alternativas existentes, se eu pudesse escolher qual a percentagem de energia que gostaria de ver ser produzida no meu país por via nuclear, eu diria a mínima estritamente necessária para assegurar o objectivo acima enunciado. A mesma resposta que daria se a pergunta se referi-se aos combustíveis fósseis, por exemplo. Esse mínimo terá de ser diferente de zero? Se não alterarmos nenhuma das actuais tendências e constrangimentos, muito provavelmente sim.

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