Mesmo as mentes menos criativas (como a minha) conseguem imaginar um thriller fantástico (envolvendo dinheiro, pecados, chantagem, astúcia, conflito e, no final, num final se calhar com muitos anos, uma perfeita simbiose) com os pontinhos que se vão juntando. Digo-o porque há demasiadas coincidências há demasiados anos neste país e, como sabem, não há nada que um ignorante não preze mais do que estes espantosos acasos probabilísticos para começar logo a congeminar.

A mente humana prega-nos com cada partida… Neste momento não me sai da cabeça a descrição que Miguel Esteves Cardoso fez há uns anos de um encontro a que assistiu inadvertidamente – à distância de algumas mesas – num hotel do Estoril, entre o então Ministro das Finanças Pina Moura e Stanley Ho… O que na altura chocou o cronista foi o nervosismo que detectou em Pina Moura (esperando e reesperando o convidado) e a parafrenália de salamaleques, bem como a postura subserviente de um ministro da República perante o ilustre empresário, proprietário do referido Hotel.

O texto de alguma forma encontrou espaço entre os meus arquivos mentais para agora ser desenterrado numa recordação absolutamente despropositada, como é evidente.

Eu até ia para dizer que este país precisa de mais Stanleys Ho’s mas um súbito pudor fez-me parar os dedos. Prefiro escrever antes que precisamos de outros políticos. E claramente de maior trnaparência…

Continuando a escrever sem nexo, eis uma reflexão sobre o financiamento partidário (ver anexo)

P.S.: Tai Pan – In the Chinese language, Tai-Pan was a term for foreign businessmen doing business in China or Hong Kong in the 19th century. (wikipedia)

Texto resultantes da discusão havida em Alternativa ao Bloco Central 

Debate sobre Financiamento Partidário – Tentativa de Síntese 1ª Parte

Desde há cerca de uma semana temos vindo a abordar a questão do financiamento partidário na Alternativa. Esta não é seguramente a discussão mais interessante para estimularmos as nossas células cinzentas e desconfio que não é também a que mais mobilizaria este movimento de “descontentes” com o status quo político, contudo, atrevi-me a dar-lhe este inusitado destaque porque julgo que responder à pergunta: Quem Paga a Democracia? é algo prévio a qualquer tentativa de se ter uma atitude política que parta de uma postura crítica ao uso que temos do regime pelo qual nos regemos.

Antes de entrar nos detalhes daquela que me parece uma abordagem razoável tento sintetizar alguns pontos de consenso que julgo ter identificado em contributos do João Pinto (Bcool), NunoP, Raul (Congeminações) e ainda outros de “não membros” do movimento como o Miguel Silva (Viva Espanha) ou mesmo dos autores do artigo “Quem paga a Democracia?” que aqui linkei (José Tavares e Paulo Ferreira).

Ninguém está satisfeito com a prática dos partidos portugueses quanto ao seu financiamento. Todos clamamos pela publicitação das contribuições, pela auditoria contínua às contas dos partidos existindo sugestões de delegação dessa competência sobre o tribunal de Contas e/ou sob o Ministério das Finanças.

O próprio sistema de controlo já instituído desmascara a mentira continuada das contas partidárias de todas as forças políticas com representação parlamentar. Em suma, existem leis mas os partidos fazem delas letra morta e continuam a sua acção relativamente incólumes. A menos que começacemos a querer tirar ilações sobre a evolução dos níveis da abstenção, o que julgo que sabemos ser campo minado.

O sentimento de proliferarem agendas escondidas motivadas pelo dinheiro que se encaminha para os cofres partidários levando a contrapartidas em benefício dos doadores e em prejuízo da gestão mais eficiente dos fundos públicos ao dispor do poder executivo em alternância são dados tomados como adquiridos pelos intervenientes no debate. Esta é uma das situações intoleráveis que julgo nos mobilizam em torno deste movimento. Nunca conseguiremos eliminar definitivamente os abusos e incumprimentos mas a abrangência do problema não é de todo irrelevante. Julgo que todas as democracias podem suportar atentados excepcionais mas nenhuma sobreviverá à negociata continuada. Afinal quando é que a negociata passa a ser o fim dos partidos?

Já fiquei com mais dúvidas quanto à existência de consenso na necessidade de chegarmos a um montante máximo razoável para as despesas de campanha. Pessoalmente retomo as palavras de José Tavares e Paulo Ferreira na esperança de que elas encontrem simpatia entre quem me lê por estas paragens:

“(…)Em democracia, devemos antes multiplicar o número dos que pagam e a pluralidade de interesses que representam. O pluralismo de donativos, a razoabilidade dos montantes nas despesas de campanha e a transparência do processo de financiamento constituem os vectores fundamentais na aproximação dos cidadãos à vida democrática, no afastamento de suspeições de corrupção política e, de uma forma geral, na revitalização da confiança nos governos. (…)”

Assistindo à sucessiva corrida ao “armamento mediático” (e a todo o tipo de tricks or treats) suportada por montantes cada vez mais astronómicos que vemos a cada nova campanha presidencial nos Estados Unidos estranho aquele tipo de construção democrática. E percebo que ele pode ser potenciado pela forma como regulamos e respeitamos (ou não) o sistema de financiamento partidário. Ou seja, o tipo de política e a forma de viver a política não está dissociada da forma como se encontra financiamento para os partidos. Mas já estou a entrar na minha opinião. No próximo texto tentarei expor duas opiniões aqui deixadas pelo João Gomes e pelo Nuno Peralta com as quais divirjo.

outubro 27, 2004

Debate sobre Financiamento Partidário – Tentativa de Síntese 2ª e Última Parte

No post anterior o Nuno adivinhou bem ao falar de divergências. Eis um contributo para tentarmos perceber agora o que nos distingue. Não estou tão certo que estejamos perante uma distinção entre esquerda e direita, talvez.
Quanto ao repto final do post do Nuno deixo a resposta para outro texto. Centremo-nos ainda no financiamento partidário.

Estava a ouvir a Alexandra Lencastre a tentar racionalizar a exposição da sua vida privada na imprensa (em entrevista a Pedro Rolo Duarte na Sic Mulher). A dado passo a actriz disse que perguntando aos editores do porquê de tal interesse na sua vida privada lhe respondem: “Você vende”.

Quem paga a democracia? O nosso colega João Gomes escreveu num comentário ser contra o financiamento dos partidos pelo Estado, sendo a favor de listas de contribuições, publicas, auditáveis e com limites. E justificou esta opinião por considerar que os partidos devem trabalhar no sentido da maior politização de todos os cidadãos devendo conseguir envolvê-los ao ponto de contribuírem para suportar as suas causas. E continuou afirmando:

Tal não tem acontecido, porque os partidos não gostem de sociedades politizadas. Depois de uma revolução, a táctica é tipicamente "fechar" o círculo que o acesso ao poder vai começar!! Como é evidente a descolagem da sociedade começa aí: Porque nada tem sido transparente (para não falar no caso obscuro de eleição nos PCP´s deste mundo; E não esquecendo que os restantes não são substancialmente diferentes!).
Relativamente ao financiamento do Estado: Já chega! Os partidos ou têm sustentação ou não têm. E todos a têm de ter de forma pública. Dirão vocês… Mas se assim fosse os partidos ficavam imediatamente descapitalizados… pois é. Ninguém gosta de descobrir as misérias da economia familiar, mas com isso talvez lhe passasse alguma da arrogância! Resumindo numa série de equivalências:
Não Dinheiro=> Não ostentação do que se não tem= Mais humildade e pés na terra!

Tendo dito isto o Nuno Peralta simpatizou com esta sugestão afirmando:
O financiamento deve ser privado, mas de forma regulamentada, obrigando à sua publicação (na prática, como se os partidos fossem empresas cotadas em bolsa, com contas auditadas periodicamente por entidades independentes).
O facto de o financiamento ser privado obrigaria os partidos a estarem mais abertos à sociedade civil, a "falarem" para a sociedade, de forma a cativarem os eleitores.
Não duvido que isto implica
ria de alguma forma distorções na capacidade financeira dos partidos, mas tornava o modelo mais credível.
Não acredito que uma das funções do Estado seja sustentar partidos, pelo menos enquanto for viável à sociedade manter um mínimo de duas alternativas de poder.

Considerando estas opiniões, que não são novas e duvido que sejam marginais, tenho de discordar delas.
Se bem percebo defende-se que a prova de sucesso e de utilidade social e política de um partido deve medir-se pela sua capacidade de cativar indivíduos a um nível suficientemente profundo de forma a que estes sejam a sua forma de sustentação financeira.
Um partido será o que financeiramente conseguir cativar, admitindo-se que a contribuição financeira é a melhor medida de envolvimento, dedicação e motivação para o envolvimento político que este consegue promover. Por outro lado, esta opinião completa-se elegendo os partidos como móbil do afastamento da vida política porque, tendo cativas verbas do Estado, não têm estímulo à abertura, a procurar recursos junto de potenciais militantes. Em suma, vêem-se os partidos como empresas: ou têm sustentação ou não têm.

Independentemente, das críticas que podemos partilhar quanto à forma de organização interna dos partidos que podem ser uma parte importante do problema da qualidade média dos quadros que os frequentam e que vêm a exercer funções de representação política, parece-me uma atitude irreflectida pôr as coisas nestes termos, digamos, orientados pela economia de mercado.
Não vejo como principal função dos partidos “vender” literalmente como a Alexandra Lencastre e muito menos evangelizar como a Igreja Universal do Reino de Deus, sustentando-se do dízimo e – a distância é mínima – existindo para se sustentar do dízimo. Aliás é esse espírito de vendilhão, de vendedor de banha da cobra e de camaleão que vejo outros políticos de outros países assumirem para obterem os tostões para pagar publicidade negativa sobre o seu opositor nas televisões nacionais que me repugna e me alerta para um qualquer mau cheiro e maus destino para aquelas que identifico como as principais vantagem do regime democrático.
A relevância e interesse de um partido para a democracia de um país mede-se, sim senhor, pelo seu poder de cativar pessoas para um projecto mas a medida desse sucesso estabelece-se contando votos de eleitores e não cartões de militantes. Defender tão simplisticamente o financiamento priva(tiza)do dos partidos poderia simplesmente levar-nos a um retrocesso democrático – e se calhar é exactamente para aí que caminhamos já com este sistema mal tratado. Espera-se que exista uma relação entre militantes e eleitores. São os primeiros que dão forma ao partido, que deverão ser responsáveis pelo ideário e pela capacidade de actuação do partido. É neles, nos líderes que eles elegem e nos princípios que defendem que votamos… ou não.
A democracia tem custos e há várias formas de participação na vida política e de envolvimento na vida partidária. Ser militante é apenas uma das formas de participar na democracia. Posso identificar-me muito bem com um partido e não ter vocação de militância ou mesmo recursos para contribuir significativamente para o partido que melhor me representa e, contudo, posso demonstrar essa minha identificação com o meu direito de voto. Por ventura, a capacidade de financiamento está igualmente distribuída pelos potenciais militantes/financiadores partidários? Seguindo esta lógica de auto-sustentação dos partidos pelas contribuições de militantes, de empresas e sem limitações de contribuição, está bom de ver quão desiguais seriam os recursos para o combate político mediático e como caminharíamos para a ausência de visibilidade de movimentos políticos próximos de partes da sociedade menos favorecidas financeiramente.

Outra coisa que perpassa no raciocínio do João e do Nuno é o típica não identificação do Estado. O Estado não deve sustentar partidos. Mas o que é o Estado? E o que deverão ser os partidos? No nosso regime faz sentido Estado sem partidos? E o que é isso de “sustentar”? O Nuno estabelece um limite, falando de um número mínimo de partidos abaixo do qual o Estado então sim, deveria intervir. Dois partidos? Não é essa uma falha de base da própria solução?
Quando dizemos que os partidos fogem a divulgar as suas contas genuínas, pensava que tínhamos percebido que a fatia que recebem do Estado, sendo pública, se apresenta apenas como uma pequena parcela. A maquilhagem das contas não se faz para esconder mais fundos do Estado que os malandros dos partidos “roubam” directamente. Talvez escondam, isso sim o pagamento de favores – esses envolvendo concursos públicos e afins – que empresários e outros detentores de interesses vão gerindo na troca de favores com os potenciais gestores da coisa pública.

Resumindo, acho que o processo de selecção natural dos partidos deve ter apenas um pouco a ver com a sua capacidade intrínseca de recolher verbas além das transferências do Estado.
A selecção natural dos partidos começa desde logo nas restrições à sua criação. Para nascerem precisam desde logo de um número mínimo de cidadãos que se dispõem a avalizar a sua formação. Podemos discutir o número e ele não será irrelevante pois a meu ver o Estado deve comparticipar desde logo com um conjunto mínimo de meios para auxiliar a dinamização desse partido – concedendo algum apoio financeiro para gastos de estabelecimento de um espaço próprio e todo um enquadramento jurídico que preveja a integração e o acesso à comunicação social (direitos de antena, etc). Não nego que deva existir a possibilidade de premiar os partidos particularmente dinâmicos e mobilizadores possibilitando quotizações de militantes e doações que defendo devem ser limitadas a um montante fixo por eleitor. E fixo este valor para alisar propositadamente as diferenças de poder económico dos apoiantes de partidos distintos. Não deverá ser a lei do mais forte financeiramente a dominar uma campanha eleitoral.
Por outro lado, não consigo perceber a racionalidade dentro de uma democracia para se aceitar contributos financeiros oriundos de uma esfera aparte o universo dos eleitores, como sejam, contributos de empresas. Um partido não é uma empresa, ou “sendo” cada accionista terá acesso a um mesmo número de acções… Mais uma vez no espírito de que “Em democracia, devemos antes multiplicar o número dos que pagam e a pluralidade de interesses que representam” e tendo ainda bem presente que “Nas sociedades democráticas quem paga tende a ver os seus desejos satisfeitos.” Logo quem paga mais… Que os partidos fiquem a dever iguais favores a todos os seus militantes.

Por fim, a selecção natural culmina com a capacidade de angariar o apoio de eleitores, eles sim a peça basilar de qual
quer regime democrático. Se uma maioria de leitores apostou num partido o Estado – nós todos – devemos financiar preferencialmente esta que parece ser uma solução promissora para o pais. Desta forma estimulamos os partidos a cativar eleitores. Aqui e apenas aqui deverá haver discriminação: quando se contam os votos.

Não me fico ainda por aqui, defendo que os gastos possíveis em campanha sejam limitados, ou por outras, acho que enquanto Estado nada temos a ganhar em admitir publicidade paga por partidos fora dos espaços e formatos pré-definidos, acho que temos a perder se não tivermos forma de impor um debate plural e igual acesso aos media a todos os partidos quando em campanha. Para que serve a verba extra que atribuímos os maiores partidos? Para mais facilmente cativarem quadros técnicos que suportem o próprio partido, para que se financie o pensamento e a qualidade de propostas e pessoas que se apresentam a votos.
Finalmente a última fatia do financiamento partidário poderia advir de parcelas das remunerações dos cargos de representação política obtidos.

Bom… Mas em que é que esta proposta se distingue da lei em vigor?
Tanto quanto sei há diversos pontos comuns e o espírito da lei é comum ao que defendo em muitos casos mas… Como tudo seria diferente se os partidos não pudesse apresentar-se a votos caso não apresentassem contas de acordo com as mais básicas regras de reporte contabilísticos. Como seria diferente se o financiamento público ficasse automaticamente suspenso caso as entidades auditoras encontrassem não conformidades graves. Como se respiraria ar mais limpo se todos soubessem tudo e se todos tivessem de se valer mais das suas capacidades e dotes políticos e menos da capacidade de condicionarem eleitores pela propaganda pura e dura e o manobrismo e amiguismo passasse a ser a excepção e não a regra vigente, descaradamente vigente!

 

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