Eu até acho que “em condições normais” se deve mexer no estatuto remuneratório da classe (das classes) política centrando eventuais divergências face à função pública regular num número mínimo de aspectos (na remuneração mensal, por exemplo), sendo que o efeito até poderia ir no sentido de um aumento das remunerações desde que tudo o resto, reformas, subsídios e afins, fosse regulado exactamente da mesma forma.
Mas não estamos em condições normais como podemos avaliar pelas recentes medidas governativas e pelo ruido de fundo da ameaça de contestações que já vamos ouvindo. E, já agora, como venho avaliando no meu cantinho de trabalhador do Estado com contrato individual de trabalho quase desde o momento em que iniciei contrato.

O nosso trabalhido de casa enquanto cidadãos que acabam de ser promovidos na hierarquia dos contribuintes líquidos é assumir uma postura de tolerância zero perante tudo o que seja laxismo e injustificação do lado da despesa, hoje mais do que nunca, porque também pagamos mais hoje mais do que nunca. E, infelizmente, há demasiada matéria absolutamente transversal a qualquer orientação ideologica do cidadão que reflecte, onde se encontra despesa absolutamente injustificada. Por isso, aplaudo o artigo de opinião de João Miguel Tavares no Diário de Notícias, intitulado “Os deputados têm de sofrer”.
Deixo-vos um excerto:

” (…) Se obrigar os ricos a pagar mais 2% e acabar com subvenções após 12 anos a pisar os mosaicos do Parlamento vale pouco dinheiro, estas medidas têm uma dimensão simbólica muitíssimo importante. Poupam-se insignificâncias, mas dão-se bons exemplos ao povo. Os deputados prejudicados, que já andam a fazer queixinhas aos jornalistas e a pressionar o Governo para adiar o fim das subvenções, estão a fazer pela vida – mas são bem tristes as suas figuras. Se todos têm de apertar o cinto, quem deve dar o exemplo não pode continuar com folga nas calças. Chamem-me demagógico num tempo de crise como este, ir ao bolso dos deputados é uma obrigação moral.

João Miguel Tavares

Quantos funcionários públicos e trabalhadores do privado deixarão de ver respeitados os seus direitos adquiridos com as indispensáveis alterações legislativas a implementar? Alterar os limites ou as possibilidade de requisição de reforma antecipada (con a até aqui prevista perda de remuneração por cada ano de antecipação) não constitui uma alteração das regras contratuais e das expectativas de trabalhadores com décadas de trabalho? Convinha que os senhores políticos, perante a caça às notícias “demagógicas” a que alguns media se dedicam, encontrassem outras explicações/justificações para a acumulação de remunerações do Estadodo que as ouvidas recentemente da boca do ministro das finanças (que acumula pensão adquirida em seis anos no Banco de Portugal com vencimento de Ministro) ou do presidente do governo da região autónoma da Madeira (reformado mas ingualmente no activo). As suas justas justificações invocando os descontos devidos e o estrito cumprimento do lei, são as mesmas justas justificações com que qualquer trabalhador se poderá defender perante a alteração das regras do jogo. Acontece que para estes últimos, e perante a situação de crise nacional, essas justificações não podem ter provimento. Fica portanto mais complicado perceber como neste estado de emergência subsite “uma normalidade legal” apenas para quem desempenhou altos cargos nas várias estruturas do aparelho do Estado.

Será esta denuncia demagogia? Hoje, neste contenxto, é também um exercício de auto-defesa do Estado pelos cidadãos. Convinha os senhores políticos reflectirem bem nisso e interiorizarem verdadeiramente os tempos por que passamos e o que vamos ter pela frente em termos de contestação social. Convinha que o governo tivesse toda a coragem necessária e que olhasse um pouco para sabedoria popular deste género: “Para grandes males, grandes remédios.”