Quanto vale o argumento do Made in Portugal para um consumidor português?

Que raio terá esta pergunta, ou este tema, a ver com uma crónica baptizada de Embalo de Lisboa, perguntará o leitor?
Ocorreu-me em jeito de chalaça mental quando um amigo lisboeta me contou que uma vizinha lhe foi bater à porta oferecendo-lhe os seus préstimos para serviços domésticos, mais precisamente para passar roupa a ferro. Tudo negócio entre amigos, sem necessidade de papeladas, bem entendido.

Valendo-se do dedo em riste na campainha, chegou-se a senhora à fala com o meu amigo, dizendo-lhe que não deixara de observar que ele punha roupa a passar numa lojeca recém inaugurada no bairro… Já que assim era, bem que o meu amigo podia dar o trabalho à respectiva vizinha, afinal sempre era vizinha… Sempre lhe dava trabalho a ela e não a “elesâ€?.
O meu amigo assegurou-me que nunca trocara uma palavra com a dita vizinha, conhecia-a de vista, de uma loja que ela tinha no bairro (noutro ramo, bem distinto do que agora oferecia, note-se) e mais nada. Nem um raro “Bom diaâ€? que por vezes ainda se vê, mesmo em ruas lisboetas, nada. Admirável o espírito comercial da senhora, em ir-te bater à porta de casa, não?
Que terá decidido o meu amigo?
Disse-me que ficou a maturar por instantes num estranho sublinhado. O “elesâ€? já referido, apareceu repetido na argumentação, por exemplo quando, para valorizar a oferta, a dita vizinha sublinhou que faria o mesmo preço que “elesâ€? mas tinha a vantagem de não ser um deles… além de vizinha… ali do lado.
O enterpeneur nacional personificado na vizinha (uma excepção não representativa, seguramente) não aventou com melhor preço, ou com melhor qualidade de serviço, apenas com um “não-elesâ€?, um pedido veemente, quase mais uma exigência, e um negócio entre amigos, sem necessidade de papeladas, bem entendido.

Uma muito atomista resposta à pergunta que encima a crónica é dada, todos os dias, por este meu amigo, quando acerta os detalhes de mais um contrato com o profissionalismo e a simpatia dos brasileiros-eles que alugaram uma loja que já não se sabia capaz de tal, lá no seu bairro, no meio da cidade.

E eu a imaginar a fé da vizinha no valor do argumento Made in Portugal.
Que porção do brasileiro terá sido feita em Portugal?

Lisboa, 10 de Abril de 2005

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