Ainda propósito de “Longe de Manaus” de Francisco José Veigas (aproveito para deixar o meu exercício, de enfiada, em anexo a esta mensagem) não percebo a lógica dos editores.
O livro está à venda em pelo menos três lojas on-line portuguesas. Duas delas, a Bertrand e a Byblos-art vendem o livro por menos 10% que o editor, a Asa. Tal como acontece com a livraria da Fnac, por exemplo.
Não percebo, principalmente quanto às lojas on-line, não percebo. Será o desconto de 10% o “dumping” máximo permitido por lei? Não encontro o sentido à coisa pois o editor controla a distribuição, certo? Não há dumping nenhum! Mas, no limite, se todos procurássemos o melhor preço, todos os livros seriam vendidos por distribuidores que não o editor, certo? O editor nunca aproveitaria a mesma margem que os restantes vendedores, apenas a margem que cobra a estes quando lhes vende como grossista. Ou estarei a ver mal a coisa?
Alguém me explica esta microeconomia, o enquadramento deste mercado?

Verdadeiramente “Longe de Manaus”* em sete pequenas parcelas

1.
A ideia de passar o início da noite ouvindo uns maduros a falar sobre uma revista de política com problemas de baptismo, orientada à direita, fora dele. Ela fez-lhe a vontade, aceitando a proposta de quebrar a rotina.
Desceram à Baixa para subirem ao Chiado encontrando-o mais apinhado do que estavam habituados. Com dificuldade enfrentaram a corrente dos que regressavam a casa. Espreitaram as montras num relance e apressaram-se pois era tarde: a sessão já havia começado.

2.
A rotina fora quebrada de facto mas uma hora a ouvir outros que, acima de tudo, davam a sensação de gostar de se ouvir falar, bastou. Salvou-se o espaço, uma primeira visita a um sítio com um nome antigo mas inspirado: “Jardim de Invernoâ€?. Pela raridade em terras de Lisboa pode-se dizer que é um lugar bonito, ou melhor, cativante como acontece com muitas coisas raras.
Passando o tempo, esqueceu-se a beleza e ficou o desagrado. O fumo do público e dos entrevistadores-entrevistados acumulou-se continuamente e, também por isso, com picos nos olhos, já meio enjoados, zarparam.

3.
O breve balanço da ligeira frustração e o recuperar da cacofonia vocal foi feito à mesa de um restaurante no Largo do Carmo.
Esquecida num canto, uma televisão em repetição contínua de um vídeo-clip. O aparelho e música foram ganhando protagonismo ao longo do jantar. Da tortura irritante à ironia surrealista…
Jantaram e saíram escapando à sobremesa com a melodia a matraquear a cabeça.
O choque térmico oferecido pela noite plena que entretanto caíra ajudou à mudança de pensamentos. Em busca de algo que os redimisse, seguiram ligeiros em direcção ao centro comercial mais próximo.

4.
A actividade para-compulsiva de entrar várias vezes por semana no espaço literário da Loja dos Armazéns do Chiado andava adormecida há alguns meses.
O pretexto mental para descer ao piso respectivo fora outro, mais cinéfilo, e foi já no regresso que espreitaram o primeiro expositor de literatura, talvez o espaço mais apetecido do país para se mostrar um livro…
Na última fila, junto ao chão, uma capa familiar, já vista na net.
O rapaz flectiu as pernas e, enquanto pensava na promessa que havia feito de regressar à ginástica para defender aqueles joelhos, agarrou o que podia ser um pedaço de relva ou de alcatifa esverdeada, houvesse dioptrias insuficientes nuns óculos imaginários!

5.
Deixemos o rapaz e a rapariga que já não nos interessam, agora falo eu.
O que é um livro bonito? Este é um livro bonito. Talvez saído de um Jardim de Inverno, igualmente cativante quanto raro. Uma sedução que se completa com a leitura, é certo, mas que avança de imediato patrocinada pelo caleidoscópio de tons de verde.
A imagem que ocupa metade da capa, a pedir adjectivos gastos mas justos, exibe uma floresta luxuriante que invade um resto de rio, navegado por um escaler motorizado rumo a uma viagem improvável, finisterra.
Esqueço o cheiro de livro novo e passo ao tacto, à textura nervosa do papel, mais suave sobre a imagem, mais áspera fora desta; ao relevo evidente das letras plastificadas que formam o título, à minúscula fotografia do autor que surge como um detalhe, no centro, mas à margem, bem à direita, quase a sair do livro.
Gostava de ter algo para escrever só para poder ter pretexto para que fizessem um livro assim.

6.
Qual é a vida de um livro quando chega às mãos de um leitor?
Este livro verde, prometida que está a volta ao mundo no texto da contra-capa, manteve-se subterrâneo nos seus primeiros instantes: da prateleira na cave da loja seguiu para as entranhas da cidade e foi desflorado na linha verde, entre o Rossio e o Intendente. Fez-se aos Anjos e conheceu o baptismo de noite em Arroios, nos Arroios.
Umas escassas gotas que escorreram do tecto da estação de metropolitano, já à saída, caíram-lhe na superfície plastificada escorrendo ao longo do fio de rio representado. Uma manga da camisa em rápida afago manteve-o imaculado…

7.
A frase “O romance da solidão portuguesaâ€? acompanha o título. Um artigo tão definido! Temos autor determinado, sublinhado o risco do ridículo de peito aberto. Artigo definido e contudo… Começam as dúvidas do leitor, as interpretações. Prossigam as palavras!
As primeiras páginas. Quantos críticos literários ficaram por estas? Quantos somaram mais umas quantas próximo do final e se salvaram com o inestimável resumo da badana ou da contra-capa? Quantos leitores se decidem nas primeiras trinta, quarenta páginas? Quantos deixaram o livro na prateleira da loja por ser demasiado? Demasiado pequeno, demasiado grande, demasiado caro, demasiado feio?
Aproximo-me do papel de um auxiliar de investigação. “Relato factos, não critico livrosâ€? poderia dizer, Tenente Sem Sal.
Em quarenta e duas páginas, as primeiras páginas, encontramos a madrugada, uma das muitas noites que passou pelo Aviz, uma suave promessa erótica em Ã?frica, uma breve antologia do Futebol Clube do Porto na suposta Invicta, um crime e o seu mistério, o início das singularidades de um investigador Jaime Ramos, de um adjunto Isaltino, um auxiliar antropológico sobre a vida privada contemporânea – na vertente materialista -, a promessa de viagens e uma Rosa.
O livro por aqui anda, bem verdinho, ainda, passeando por Lisboa, ao sol, à chuva e ao vento, ganhando raízes e folhas, digno da primavera, tomado ou não da solidão portuguesa.
O primeiro livro de 2005.

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* “Longe de Manaus” é o mais recente livro de Francisco José Viegas, editado pelas Edições Asa em Abril de 2005. Um livro que não tem quase nada a ver com o que aqui se escreve e escreverá nos próximos dias.
Uma entrevista ao autor (sobre este livro) pode ser lida aqui.

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