Um destaque para o polémico texto de Rui Valada no Público de hoje (“Professor e Advogado, militante do PSD (ala reformadora)”).

A Renovação da Classe Política
Por RUI VALADA
Quinta-feira, 23 de Dezembro de 2004 Há muita gente que ainda não compreendeu bem o problema. Ou melhor: acertou numa parte do diagnóstico, mas continua a não reparar na inconsistência das soluções propostas. Que os partidos estão fechados sobre si próprios, que as suas elites estão reduzidas a um núcleo duro profissionalizado, que existem barreiras à entrada ou ascensão de novos protagonistas, isso tem sido dito repetidamente e é verdade. Tal situação conduz a um anquilosamento das estruturas partidárias e da sua capacidade de renovação política, não obstante a dança das lideranças e dos seus séquitos.

Mas supor que o problema se resolve com apelos cívicos é de uma enorme candura. Não basta pedir que os partidos se abram a políticos não profissionais, que tentem atrair mais independentes ou que, para o preenchimento de lugares ou candidaturas, alarguem o seu recrutamento para fora do núcleo duro. A grande questão é que as oligarquias instaladas (ou com esperanças de instalar-se) não estão interessadas nisso.

A última coisa de que os políticos profissionais querem ouvir falar é de nova concorrência que venha disputar-lhes os lugares alcançados ou cobiçados. É por isso que os partidos não se abrem à sociedade civil, não se esforçam por recrutar novos valores, asfixiam até as tentativas de transformação interna. É também por isso que o debate político quase desapareceu do funcionamento partidário, sendo substituído por episódicas litanias de apoio à claque dirigente. A contestação interna é abafada sempre que possível e em regra considerada uma traição quando tornada pública.

Os partidos são hoje hostes profissionais de assalto aos cargos públicos e o seu quadro permanente de oficiais já está preenchido. Novos recrutas só se pretendem para os lugares do fundo da hierarquia, desprendidos de ambições ou suficientemente pacientes para saberem aguardar a sua vez. Fora dos partidos consegue medrar alguma preocupação com a renovação da classe política; dentro deles, falar nisso é quase uma blasfémia. Há excepções, claro, mas mantêm\u2011se discretas.

É pois ilusório pensar que irão chover convites às pessoas competentes da sociedade civil ou que haverá a preocupação de as atrair. Na óptica dos dirigentes, gente que pensa pela sua cabeça é uma ameaça. E que algum dia se estabeleça um qualquer sistema de cotas para políticos não profissionais, conforme já foi proposto, é duvidoso. Se vier a acontecer, a sua expressão será tão limitada e inócua que nela se reconhecerá o contorno demagógico de uma mera operação de maquilhagem.

O que falta nos partidos políticos é mais democracia interna. Ou seja: regras que melhorem a concorrência lá dentro. E sobretudo, acabar com as designações para candidaturas a cargos electivos e substituí-las pelo resultado de um sufrágio interno. Permitir que a ascensão de pessoas e ideias possa sempre resultar da discussão e do voto e não dependa de cooptação dos maiorais já instalados.

A lei deve interferir sem pejo na orgânica geral dos partidos e impor-lhes uma maior democraticidade interna, tão essencial à concorrência das ideias e dos projectos como à renovação das elites. Estamos mal servidos de políticos, reconheça-se, porque também estamos mal servidos de democracia na esfera interna dos partidos.

Professor e Advogado, militante do PSD (ala reformadora)”

Alguém de dentro dos partidos tem a bondade de comentar?

Também em discussão na Alternativa.

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