Um velho problema
Lendo na diagonal alguns dos comentários em relação ao último debate entre Bush e Kerry (CNN, Yahoo…) encontro críticas costumeiras que julgo merecerem alguma reflexão. Destaco um exemplo, a questão do aborto.
Este é apresentado como um dos casos em que Bush se saiu melhor porque foi incisivo e claro na sua opinião – defende a proibição total, se bem percebi – enquanto Kerry foi palavroso, explicativo e terá ficado atrás nessa parte do debate por isso mesmo – afirmou-se católico mas não “o suficiente” para impôr pela força do Estado os seus preceitos religiosos ao resto da população exemplificando com casos limites como as violações dos filhos pelos pais e por aí fora.
Pensando neste caso e olhando para o exemplo caricatural da questão da guerra, representada neste boneco que vêmos no Blasfémias, lembro-me da simplicidade das turbas linchadoras ou da complexidade do exercício da justiça.
A águia e a pomba são ridicularizadas por pertencerem ao esquema racional de John Kerry quanto à questão da guerra no iraque. Ora isto não é tal e qual ridicularizar a figura da justiça: uma senhora vendada empunhando numa mão a espada noutra a balança?
É espantoso centrar-se a crítica a Kerry na sua eventual esquisofrenia quando todos os pressupostos justificativos da guerra, sabemo-lo hoje, se provaram errados. Não é nessa prova que Kerry fundamenta a sua opinião actual mas estas evidências, agora irrefutáveis, deviam ao menos embaraçar um pouco mais as águias da guerra. Contudo, é com gente deste calibre que temos de saber lidar, sem nos rendermos alegremente às mesmas tácticas. Tough job!
Imagem de Cox&ForKum
October 10th, 2004 at 10:53 pm
Rui,
Creio que percebeu mal. Quanto ao aborto o que estava em causa era o procedimento conhecido nos EUA por partial-birth abortion e não o aborto em geral. O aborto é aliás uma matéria que está (a meu ver de forma inconstitucional e totalmente ilegítima) bloqueada pelo Supremo Tribunal desde 1973 (Roe vs. Wade).
October 10th, 2004 at 11:11 pm
Confesso que tinha ficado com dúvidas quanto ao âmbito de “aborto” de que falavam no debate. Mas assim sendo ainda mais estranho é falar-se da “complexidade” da opinião de Kerry. A situação é ainda mais ambígua, de facto. No próximo debate seguramente o tema ressurgirá com mais relevo.