Sérgio Figueiredo
volta a oferecer-nos polémica com um pequeno tratado de demografia política em editorial no Jornal de Negócios.

Além do óbvio:
“(…) O nosso cemitério político-partidário está cheio de ilustres que já perderam a motivação e de outros que morreram antes de adquiri-la. E esta desmobilização geral é particularmente grave no estado em que nos encontramos. Não é por se criarem vazios. A política, desde sempre, tem horror ao vazio. O problema é como eles se vão preenchendo.(…)”

Continua discorrendo, vincando a supremacia de Vitorino sobre Sócrates:
“(…) O engenheiro José Sócrates parece ser o senhor que se segue. Provavelmente ainda se arrepende antes de lá chegar. Mas, se for ele a avançar, e por mais carisma, mais telegenia, por muita determinação que tenha, há algo que Sócrates definitivamente não tem.
Não tem o prestígio de Vitorino, não tem a credibilidade de Vitorino, não tem a base em que Vitorino assenta. Será um líder da oposição mais à medida do líder do Governo. Já se encontraram, aliás, várias vezes. Nas tevês e na imprensa. (…)â€?

Uma mente mais vigilante e mordida pela “paranóiaâ€? partidária lerá neste editorial de Sérgio Figueiredo um começo da “guerraâ€? ao mais provável futuro líder do PS. Uma dissimulada forma de o nivelar por baixo, menorizá-lo, numa palavra: santanizá-lo.
Não estamos ainda em hora de sobre-valorizar paranóias partidárias. Faz todo o sentido colocar agora e neste momento este tipo de dúvidas sobre todos os que se proponham chegar a secretário-geral do PS.

Mas de que falará Sérgio Figueiredo precisamente quando traça a supremacia da base de Vitorino perante Sócrates ou qualquer outro candidato a líder do PS? Ou mesmo perante qualquer outro candidato potencial a líder de qualquer outro partido?
Uma das maiores críticas que posso fazer a Sócrates é o excessivo calculismo e o concomitante cinzentismo político que cultivou desde que abandonou funções executivas.
Antes disso, como apoiante de Guterres, secretário de estado e ministro recordo um dinamismo invejável que se destacou pela positiva e que rareou nos governos de Guterres. Recordo inclusive causas que não via minimamente defendidas desde os tempos de Carlos Pimenta.
António Vitorino não lhe ficou atrás na governação mas foi substituído ainda na primeira parte da partida numa reacção algo exagerada a uma infundada acusação de manobras de fuga ao pagamento do mais estúpido dos impostos portugueses.

Vitorino tem um currículo de serviço público vasto e diversificado: Macau, Tribunal Constitucional, Governo… Sócrates disse presente quando poucos se dispunham a dar a cara publicamente, defrontou Santana Lopes em debates semanais. Agora começam a acusá-lo de oportunismo e aproveitamento pessoal. Curioso… Ainda que fosse não dei conta de uma disputa à função.

Mas peguemos na supremacia de Vitorino de novo. Tenho para mim que a percepção do poder aglutinador de simpatias por parte de António Vitorino estava longe de ser apenas uma resposta instintiva e exclusiva de um partido que nos últimos anos tem fugido a uma imagem de lutas fratricidas que cultivou particularmente desde a “saídaâ€? de Mário Soares em meados dos anos 80. António Vitorino havia cativado boa parte do eleitorado desde que se apresentou publicamente de forma mais visível no governo de Guterres e reforçara essa sedução com o exercício de funções enquanto comissário europeu.
A empatia, atrevo-me a aventar, vinha da extrema inteligência adivinhada na resposta pronta e bem-humorada – o humor, coisa que raramente vejo em qualquer outro político –, vinha da energia e motivação que deixava transparecer sempre que falava sobre aquilo que fazia, vinha do reconhecimento público da capacidade de apresentar soluções consensuais e eficazes para problemas complexos – e maior raridade que esta não temos – e vinha também (esta deve ser a minha ideia mais rebuscada) da imagem de afastamento que foi capaz de gerir face ao mais odioso que temos na vida partidária.
Sócrates apresentou-se como oficial junto do quartel–general nos últimos anos; Vitorino foi comandante de campo no “ultramarâ€?. Poderia agora ter regressado de uma campanha vitoriosa a Roma mas não se viu no papel de Júlio César.

Talvez a prestação “meramenteâ€? utilitarista de Sócrates nestes últimos anos tenha sido condicionada pelas circunstâncias específicas da liderança de Ferro Rodrigues – falo do discurso da cabala e da efectiva congregação de força a nível mediático para promover autênticos julgamentos em praça pública. Talvez.

No meio da maior turbulência a imprensa, apoiada pelas descontentes fontes anónimas de todas as ocasiões, foi ajudando a manter a chama de uma alternativa, aguardando sempre uma crítica de Sócrates a Ferro Rodrigues, críticas que outros tornaram públicas, ele não.
Sempre respondeu com a máxima solidariedade. Com isso manteve-se bem comportado, “lealâ€? ao partido. Não terá convencido a esquerda da esquerda como se verá. Terá gerido com astúcias os silêncios e não negou a exposição pública.

Perante o país deixou manter a dúvida. Há político capaz de traçar as novas causas, de assumir uma ruptura clara com o PS personificado por Ferro Rodrigues? Será mais que um bom executor sem pudor em usar instrumentos mais liberais para atingir os fins propostos? Será mais do que um astuto calculista? Se houve aspecto que me agradou na sua exposição pública em oposição ao mestre Pedro Santana Lopes foi a sua contenção populista. Recordo-me de poucos desvios nos debates a que assisti. Raras vezes respondeu a Santana Lopes na mesma linha de argumentos e nem por isso deixou de ganhar claramente diversos debates. Acusações de populismo ou similitude com Santana Lopes são abstrusas. Achei até alguma piada ao comedimento da veia populista de Pedro Santana Lopes durante esses debates! E quanto ao resto… Se ser um rapazinho jeitoso aos olhos do mulherio é ser populista já me calo.

A pergunta que permanece e que deverá esclarecer junto do partido começando a construir o seu edifício é a que nos permita saber para que quer ele o poder? Sabemos o que movia Ferro Rodrigues. Adivinhamos o que move Vitorino (até pela sua desmotivação). Ignoramos o que quer Sócrates. Ou António José Seguro, ou José Lamego.

Pela minha parte, como já aqui disse, preferia que, com maior ou menor clareza, aqueles que aspiram com antecedência chegar a líderes fossem marcando terreno na presença de medidas grosseiramente afastadas do seu ideário para que assim, à falta de melhor – um livrito, uns artigos de jornal além do comentário formal ou uns debates e entrevistas na TV – se percebesse o seu pensamento. Não, não falo de um espírito “João Soaristaâ€? de ir todos os dias, em todas as ocasiões e sob todas as formas vincar a demarcação. Falo de uma outra coisa, a mesma que me leva a ter respeito por poucos parlamentares e políticos em geral: a capacidade de demonstrarem ter pensamento e um mínimo de amor próprio na defesa daquilo que os distingue e se propõem representar.
Viver a política dentro de um partido não pode continuar a ser a demonstração pública do unanimismo. O paradigma do “bestial a bestaâ€? não pode continuar a fazer escola para justificar as mudanças.

Julgo que temos todos de nos habituar de quão a diferenciação é salutar e enriquecedora das soluções encontradas. Trata-se de um desafio, uma autêntica batalha que teremos pela frente, principalmente contra a dramatização circence gerada a nível da comunicação social perante alguém que venha com um simple “Antes pelo contrário!â€? – onde geralmente se explora a existência da divergências mas dificilmente percebemos os quês e os porquês – , mas é um desafio inevitável se algum dia queremos recuperar a política para o campo das actividades minimamente orientadas para o bem-comum.
Não há duas pessoas iguais, o nosso desafio maior é chegarmos a um entendimento, mas esse é dos caminhos que se tem de fazer, fazendo e não saltanto para as costas uns dos outros. Como diz Sérgio Figueiredo (e mais quinhentos antes dele e de mim):
A política, desde sempre, tem horror ao vazio. O problema é como eles se vão preenchendo.

Estar num partido e ser de um partido não pode exigir a absoluta castração de opinião pública e publicada entre congressos, a democracia não se exerce no momento do voto e a actividade política no interior de um partido não se pode fazer para o interior de um partido entre congresso em regime de exclusividade. Do mesmo modo, as provas de respeito pela legitimidade democrática dos eleitos não se demonstram pela demissão de um cargo em regime de consequência.
Mas este é o meu caminho sugerido, não é, nem tem sido, a realidade no interior visível dos partidos portugueses e Sócrates sabe-o muito bem.

Jogou segundo as regras vigentes e prepara-se para ir à luta com o máximo de probabilidades de vencer que conseguiu capitalizar.
A quem está de fora, espero que peça não mais que o benefício da dúvida que tratará de esclarecer o quanto antes. O PS vai virar à direita? O que é que isso quer dizer exactamente?
Por aqui também não se passam cheques em branco, nem se se proferem sentenças antecipadas.

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