Caro Vital Moreira,

Admito que esteja cada vez menos “tolerante” com a mediocridade, acossado pela falta de identificação política (cumprindo os mínimos olímpicos) com algum projecto que conheça e que se ofereça para me representar, mas perante uma breve análise do percurso das alternativas políticas nos últimos anos e pela evolução interna dos partidos na formação das futuras “elites de governantes” vejo como única alternativa respeitosa da minha consciência política o ataque mais empenhado ao que acho detestável. Menos paciência, menor capacidade de pactuar com o menos mau, maior auto-crítica e talvez maior disponibilidade de intervenção sempre que surja a oportunidade. Preciso me reconciliar um pouco com este “mercadoâ€? antes de recuperar a capacidade de acomodação das fraquezas humanas de que também sou praticante assíduo ainda que muito “Bento de Jesus Caraciano” (* referência ao autor da frase-título).

Leio o Causa Nossa – sobre Edite Estrela e as reacções na Blogoesfera – e em parte percebo que Vital Moreira também me oferece um barrete. [quado escrevi isto não tinha percebido que era directamente referenciado]
Termina-se o texto com “character assassination“.
Substituo a expressão por “condenação” e aceito-a. Relembro que a notícia de ontem que levou à minha reacção foi uma gota de água num copo que já vertia qualquer coisa. Porquê? Por isto que se segue, por exemplo:

Notícias do Público de 6 de Janeiro de 2004 (o conteúdo entre parentesis rectos e os sublinhados são meus):

«A ex-presidente da Câmara de Sintra Edite Estrela foi hoje condenada ao pagamento de seis mil euros ou 133 dias de prisão pelos crimes de violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade e de abuso de poder.

Em causa estava o conteúdo alegadamente [provado em tribunal] eleitoralista de um boletim municipal e de uma carta enviada aos munícipes, emitidos pela câmara em Novembro de 2001, em período de pré-campanha eleitoral.

Os factos remontam a Novembro de 2001, altura em que foi editado o boletim municipal “Sim Sintra”, quando Edite Estrela, então presidente da Câmara e candidata do PS às eleições autárquicas, enviou uma carta aos munícipes.

À saída do tribunal Edite Estrela anunciou que pretende recorrer desta decisão.

O PS já se manifestou “completa e absolutamente” solidário com Edite Estrela. À Lusa, o porta-voz do PS, Vieira da Silva, sublinhou desconhecer os detalhes da decisão judicial, mas afirmou que a socialista, enquanto presidente da Câmara de Sintra, “teve sempre um comportamento exemplar”.

“Enquanto foi presidente da Câmara de Sintra, Edite Estrela desempenhou sempre as suas funções com elevado sentido cívico e com total dedicação na prestação de serviços à comunidade”, sustentou o “número dois” da direcção nacional do PS.

Confrontado com a sentença do Tribunal de Sintra, Vieira da Silva afirmou que o teor da decisão “não corresponde ao entendimento que o PS e que a dra. Edite Estrela têm do caso”.

No entanto, Vieira da Silva salientou que caberá apenas a Edite Estrela “definir os seus próximos passos em relação ao processo judicial”. »

Na altura residia em Sintra, recebi a carta referida e tenho a minha opinião pouco abonatória para a autarca. Mas bem vistas as coisas isso interessa muito pouco.
Politicamente o PS recusou aceitar o entendimento do tribunal e não tirou ilações do caso. Ou melhor, se as tirou foi para apoiar e tentar uma limpeza de imagem da autarca/deputada da AR catapultando-a para o Parlamento Europeu que recuso ver como a Sibéria da democracia portuguesa como alguns têm sugerido.
O que deveria ter feito o PS? Mesmo que não concordasse com o “entendimento do tribunal” não deveria demonstrar tamanho desprezo pela sentença. Aceitar o exercício da lei não fazendo dela tábua rasa nas propostas seguintes que faz ao eleitorado faz parte das premissas que devem sustentar um partido democrático que defende o Estado de Direito. Não é obrigado a respeitar, tal como Edite não é obrigada a só ir a uma assembleia no mesmo dia e à mesma hora, mas deve fazê-lo sob pena de perder apoios e de no limite pôr em causa o próprio Estado de Direito. Terá sido um risco calculado mas neste caso com muito pouco fundamento considerando a matéria de facto -mas como disse isto remete para a minha opinião sobre a infracção.

Ontem por isto e pelos restante motivos expressos, inscrevi-me na lista dos “prejuízos” desta decisão. Este pequeno canto na blogoesfera onde escrevo parte do que penso, é a minha única forma minimamente visível de dar o meu contributo tanto mais relevante quanto mais visado, zurzido e ouvido ele for. Prometo-me continuar a catarse tentando complementá-lo com algo mais do que o mero utilitarismo do equilíbrio psicológico individual. Tlavez esteja a engrosar as fileiras do “excessivo zelo condenatório” mas vejo-o como uma reacção, uma defesa, aguçada pelas públicas práticas do dia-a-dia.

Só mais uma nota: VM pode queixar-se e bem da desproporção que o caso assume face a outras condutas de outros deputados que continuam a ser pouco respeitosas do cargo de deputado (ainda que legais), mas além da fraqueza de nos desculparmos com o mal dos outros, há ainda um acumular de “ofensasâ€? à democracia que se encontra no mau exercício de dois cargos de representação relevantes praticado por Edite Estrela. Outros deputados desrespeitaram “apenasâ€? a Assembleia da República. Ou seja, uma das suas atenuantes é para mim uma agravante.
É também preciso reconhecer que o estatuto dos deputados por hipocrisia política (demagogia) é pouco adequado a uma ideia mais nobre do exercício da função. Mas então aumentem-se o vencimentos, exija-se exclusividade, premeie-se a rotação dos grupos parlamentares por figuras de fora do aparelho do partido, discuta-se o assunto e mude-se o regime! Mas entretanto, o PS só tem a ganhar em mudar, por dentro e pela prática, recusando as “leis do mercado estabelecidas”.
Cumprimentos.

Adenda: a ler também a resposta do Irreflexões e do Bloguítica.

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