Muita informação sobre o INE circulou ontem e circula hoje pela imprensa especializada em Economia (Jornal de Negócios e Diário Económico).
A ler o Editorial de hoje no Diário Económico de Miguel Coutinho e a confrontar as perspectivas ligeiramente diferentes sobre o futuro do INE apresentadas em ambos os jornais.

Para já, de concreto, além da nomeação de um assessor de ministro para o conselho superior de estatística que Miguel Coutinho escalpeliza, e além de um prorrogar do prazo para se implementar a “reformaâ€? do INE – mais um ano – a montanha pariu um rato, ou melhor, enervou e desmotivou ainda mais quem por cá trabalha. Infelizmente.

Uma questão de estatísticas

Miguel Coutinho

As linhas gerais definidas pela tutela política para o Instituto Nacional de Estatística (INE) parecem, sem excepção, retiradas de um manual de boa gestão.

Quem se opõe a um modelo organizacional assente numa maior concentração geográfica, necessariamente mais ágil e mais funcional?
Quem discute a necessidade de racionalizar o número de efectivos do INE, requalificando e rejuvenescendo, em simultâneo, os seus quadros?
Quem duvida que um sistema remuneratório variável servirá para motivar e trazer os melhores quadros para o instituto?
As auditorias feitas ao INE são unânimes sobre estes vectores de reforma e – atendendo ao estilo combativo e frontal do ministro que a vai implementar e à credibilidade do actual presidente do instituto – existem garantias de que os seus princípios orientadores não acabarão esquecidos no fundo de uma gaveta.

A existência de estatísticas fiáveis e independentes são um indicador inquestionável das sociedades desenvolvidas. Mas mesmo nestas, é forte a tentação do poder político em manipulá-las. Mesmo não aceitando a provocação de Mark Twain – segundo o qual existiriam três espécies de mentiras: mentiras, mentiras disfarçadas e estatísticas – a melhoria da qualidade das estatísticas tem, sobretudo, um inimigo: quem as vê como um instrumento de poder e age em conformidade.

Ora, se os princípios teóricos anunciados por Nuno Morais Sarmento vão no sentido da transparência e do reforço da credibilidade do INE, já a prática seguida com a nomeação de um funcionário, oriundo do seu gabinete ministerial, para o Conselho Nacional de Estatística do INE suscita fundadas reservas.

Dir-se-á que essa nomeação, como qualquer outra, é um exercício legítimo do poder político. Mas não é politicamente sensata – ainda que o nomeado tenha, eventualmente, qualidades e predicados para o lugar.

A nomeação de um quadro da confiança política do ministro para um cargo tão sensível numa instituição que vive da sua independência e credibilidade traz à memória experiências de controlo da informação que não serão as mais indicadas.

Não sendo, seguramente, essa a intenção do ministro, fica, porém, a ideia de alguma leviandade no trânsito de quadros e assessores dos gabinetes ministeriais para cargos públicos que exigiriam outro cuidado. É bom lembrar que a decadência do guterrismo começou, precisamente, num frenesim empregador – que a expressão ‘jobs for the boys’ ilustrou na perfeição.

Vale a pena voltar ao diagnóstico da auditoria, que o ministro Morais Sarmento assinou por baixo: o INE precisa de técnicos altamente qualificados e não de quem possa ser visto como um homem de confiança de um ministro.

A questão resume-se, pois, ao tipo de estatísticas que este Governo quer: independentes e fiáveis ou dependentes e frágeis? Acredita-se que Morais Sarmento não hesitará na resposta e que a nomeação referida foi um lapso. E que só não será corrigido pela enorme teimosia do ministro…

mcoutinho@economica.iol.pt

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