Desde que surgiram os primeiros repórteres de guerra condicionaram-se os jornalistas naquilo que podiam (podem) dizer do que vêem na guerra. Algo que até se pode compreender se estiver em causa a divulgação de dados sensíveis sobre as operações militares. Muito mais discutível é o caso quando o condicionamento resulta em pura propaganda.

Agora que em cada soldado há um jornalista e editor em potência limitam-se-lhes os meios de “reportagem”, não por causa dos detalhes sensíveis do aparelho militar mas porque a memória digital capta e difunde o conflito de consciência, o wrong doing que também tem lugar numa guerra.
Não que o wrong doing tenha deixado de o ser, o único problema aparentemente centra-se na negação que daí resulta da imagem que se quer dar, de uma espécie de má propaganda. Mais friamente alguns suspeitam que o verdadeiro problema resulta da quase impossibilidade de encobrimento perante as imagens, atendendo ao volume e à diversidade em que surgiram.

O problema é mais uma vez do mensageiro. Ou melhor, de este ser dotado de olhos. Chegaremos também à língua depois de termos passado pela capacidade intelectual do dito. Só a ausência de qualquer sentido de respeito pelo próximo captou aquelas imagens para gozo e não para denúncia. E parece ter sido essencialmente o primeiro, o objectivo inicial pelo que nos contam os jornalistas e os próprios envolvidos.

A formação valorativa do soldado foi tão militantemente anulada para uma melhor manipulação que atingiu um patamar contraproducente, apresentando-se como abjecto aos olhos do patriota pagante, falhando todas as expectativas deste último para com o corpo militar do seu país, da sua democracia respeitadora dos direitos humanos fora de um cenário de batalha.

Curioso e execrável este dilema dos falcões de guerra. Nem sequer um robô dotado de inteligência artificial será um bom soldado para estes generais, isto se imitar com demasiada proximidade o humano, quer na vertente “inteligência excessivaâ€?, quer campeando pelo orgulhosamente estúpido.

Um dia (será amanhã ou foi já ontem?) esse wrong doing será assumido como a ética dos bastidores que esperará apenas a oportunidade para sair às claras (de novo) e se assumir como política e valor social. Mas amanhã, enquanto os que definem as imagens e as práticas que testemunham como a negação do sentido da nossa sociedade não fraquejarem, talvez se venha a oferecer ao soldado no dia da sua desmobilização do cenário de guerra uma pastilhazinha hipnótica (melhor seria uma suave e precisa lobotomia apontada à memória recente) para que se esqueçam de tudo o que por lá se passou.
Em tempos, a disciplina militar introduzia no indivíduo interruptor suficiente, hoje terá que ser algo mais espectacular e sinistro.

Enquanto a pastilha, essa outra pílula do dia seguinte, não entra em acção, resta-nos regressar à palavra e à coragem, à necessidade de correr riscos para denunciar, enfrentar como David um qualquer Golias que demonstra não saber lidar com a sua herança, renegando paulatinamente o seu próprio futuro, caminhando para um abismo que nos atrai e do qual vamos ciclicamente saindo-a sempre com crescentes facturas.
Como se dilui assustadoramente o eixo do mal…

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