Imagem estilizada de um cravo disponÃvel na página do Instituto Camões Ontem à hora do lanche consegui o feito de estar descansadamente em casa a comer um belo iogurte e a ver televisão já em modo “chinelos e lazerâ€?.

Ainda que seja ouvinte regular do RDP Regiões – todos os dias úteis em FM, depois do noticiário das 13horas na RDP Antena 1 – há já muito tempo que não via o regiões televisivo. Quis o destino – esse jeitoso bode expiatório – que precisamente ontem este que vos escreve tivesse de assistir a umas quantas intervenções laudatórias a António de Oliveira Salazar (A.O.S.). Será que passaram no Telejornal?

A peça foi desencadeada por um folheto anónimo que tem circulado por Santa Comba Dão. No dito defende-se o regresso da estátua de A.O.S. ao largo fronteiro ao tribunal, local de onde fora alijada uma antiga estátua de Salazar, aos primeiros sinais do 25 de Abril de 1974.

Transmitidos os factos, acrescentou-se a pesquisa: reflectiria o folheto o sentimento dos residentes? À falta de melhor – que é a regra e não a excepção – os jornalistas perguntaram ao povo que apanharam pelas ruas. Todos (terão sido quatro ou cinco, os entrevistados) falaram do estadista António de Oliveira Salazar – julgo que, exceptuando uma entrevista a Girinovsky, é a primeira vez que ouço falar do senhor nestes termos.

Todos os entrevistados discorreram sobre a naturalidade do senhor sublinhando bem vincadamente que era “um dos nossosâ€?. Houve quem advogasse que se têm de gramar com uma estátua de Sá Carneiro que nem era da terra, também podem reclamar uma estátua de Salazar. Outra entrevistada, falando do estadista, colocou-o acima do exemplo sanguinário do Marquês de Pombal que, lembrou, merece ainda hoje estátua no coração da capital. Mas o pior, e notem que me esforço por não qualificar desbragadamente o que relato até este ponto do texto, o pior dizia, foi a frase lapidar que é nos meus ouvidos tão antiga quanto a apologia da revolução: “Ele a mim nunca me fez mal nenhumâ€?.
Terá sido este o cerne da ditadura? Investir na propagação das condições para que o “Ele a mim nunca me fez mal nenhum” abafasse tudo o resto? Enquanto se perguntasse se “há mal” em vez de se procurar se “vem bem” tudo seguiria o curso desejado. A ditadura foi perdurando baseando-se mais no medo e na menorização dos anseios da população, apequenando-a por todos os meios, do que por qualquer edificação intelectual ou material.

“Ele a mim nunca me fez mal nenhum” disse a senhora, a nossa concidadã de Santa Comba Dão, mas disse-o também o vencido da vida não ficcionado do Jardim do Campo Pequeno, disse-o uma simpática idosa em Trás-os-montes, disse-o a senhora de boas famílias da Ilha de São Miguel, disse-o o retornado de Moçambique amargurado pelo que perdeu, disse-o mecanicamente o filho da grande fortuna que foi nascer ao Brasil com os pais fugidos da fúria vermelha. E a ti, pessoalmente, Salazar fez-te algum mal?
Parte de Portugal no bom espírito “Com o mal dos outros podemos nós muito bemâ€?.

Com o mal destes outros todo o cuidado é pouco. Por eles Salazar e outros da sua laia continuam a fazer-nos mal, todos os dias, mesmo à velhinha de taubaté. O mundo não é suficientemente grande caros portugueses incólumes da ditadura, ninguém passa despercebido se demasiada gente se fizer distraída. Há causalidade para quase tudo – escapam talvez os mistérios religiosos ou da religiosidade ou simplesmente os mistérios.

Investir na democracia, na sua maturação, deve ser também uma tarefa iminentemente egoista. Está é uma evidência histórica com sucessivas provas de restar por curto prazo na memória dos homens. Este é o único caminho que temos. Se nos desagradam os representantes, o problema são eles, não o regime. É sobre eles que devemos agir. É sobre eles que podemos agir pacificamente, dentro da lei , pela lei. É essa a diferença da democracia que prezo.

E, dito isto, segue hoje uma adufada para a crónica de Miguel Sousa Tavares no Público sobre o ambiente.

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