A noite tinha tudo para correr mal. Os cinco bilhetes comprados há um mês haviam sido emitidos para uma data errada que pertencia ao passado. Como triste remedeio de uma frustrante recusa de responsabilidade no teatro (parcialmente justa) adivinhava-se uma sessão de cinema num centro comercial das redondezas. No entanto… Depois de algum choradinho e de uma boa dose de humildade mais que genuína arranjou-se um acordo com o teatro. Esperar até à última por lugares livres, desistências na plateia e, na pior das hipóteses, providenciar umas cadeirinhas extra no fundo da sala. Mal por mal a perspectiva de jantar – era ainda início da noite – ganhara contornos mais reconfortantes, as papilas gustativas reactivavam-se e a sensação de fome ressurgida confirmavam o sinal de esperança. Talvez afinal ainda viesse a haver motivos para rir.

O jantar. Lisboetas verdinhos enganam-se na transversal. O restaurante ficava mais adiante na avenida. Estava um frio de rachar mas perante uma sucessão tão absurda de contratempos recentes a opção “ir de carroâ€? afigurava-se como um muito razoável factor de risco. Mais a mais fazia falta a carga ligeira pela Pascoal de Melo, Estefânia… Toca a libertar toxinas!
Ninguém se lembrou que o Benfica jogava em Itália e menos ainda veio à memória a tela gigante e a ligação à Sport TV. O restaurante estava quase a abarrotar, apenas duas mesas vagas em localização perigosamente próxima de perturbar a visão do relvado de São Ciro.
Eram muito raras as mulheres, quase todos os comensais trajavam de vermelho, na sala estava ainda um notável futuro presidente do grupo parlamentar do maior partido da oposição. Sofria, como os outros. Primeira parte, zero a zero.
Passados poucos minutos completou-se o grupo de amantes de teatro com os únicos dois Benfiquistas do quinteto. Faltava menos de uma hora para o início do primeiro acto. Os empregados de mesa não tiramvam os olhos do ecrã gigante. Os carrinhos com travessas, copos e garrafas deslizavam como que telecomandados até se acidentarem contra o cliente mais próximo. Evitou-se o pior… Não havia era maneira de os pratos chegarem à mesa.
GOLO do Benfica!

Ela nunca foi a um estádio, assustou-se com a euforia. Nunca me hás-de apanhar em Alvalade disse entredentes. Lá é muito mais sossegado é um espaço aberto, não faz ressonância menti descaradamente.

Passámos alguns instantes a olhar fixamente os empregados de mesa que por sua vez continuavam a olhar fixamente encantados o ecrã. Um ponta pé de baliza ou coisa que o valha lá quebrou o feitiço e finalmente mexeram-se. Comemos. Ainda antes de sairmos houve um susto de golo desfavorável, ouve aplausos perante a anulação e ouve um cabecear em direcção aos pratos, minutos depois. Final da primeira parte um a um.

Surpreendeu-nos muito positivamente a simpatia dos funcionários do teatro: “deixem-se estar aqui que havemos de vos arranjar lugar”. E arranjaram, no final saiu-nos melhor do que a encomenda. Via-se que havia gosto em ter espectadores satisfeitos. Cinco estrelas Villaret!

Deixa-me rir
A peça… Na primeira parte Spin doctors, crítica mais ou menos subliminar ao governo do país (ou de quase qualquer país ocidental), aqui e ali com laivos revisteiros; mais jogos de poder e crítica mais incisiva, com mestria humorística mais evidente na segunda. Fechando em “maisâ€? portanto.
Um ou outro gag poderia ter beneficiado da técnica de elaboração de discursos políticos que se parodiava no peça: mais curtos confeririam um pouco mais de dinamismo evitando alguns momentos de perda de gás. Os actores, todos muito bem. No final esperaria mais mamas, talvez borbotando no último protagonista.
Para que serve o humor? Para rir e para pensar, vai muito bem com uma noite de teatro. Faz uma muito boa noite de teatro.

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