Como consequência da discussão que surgiu a propósito deste texto no Adufe, o João Guerra dá-nos o testemunho da experiência governativa catalã desde que uma coligação de esquerda assumiu o governo.

Caro Rui:

Ainda bem que estamos de acordo no essencial. As esperanças que deposito num futuro entendimento das forças da esquerda portuguesa (por entendimento não quero dizer necessáriamente coligação, basta que remem no mesmo sentido) são em parte motivadas pela observação que tenho feito do novo governo catalão (vivo em Barcelona há 2 anos).

Este executivo é um governo tripartido de esquerda que venceu as eleições para a Generalitat (governo autónomo) em Novembro último, depois de 23 anos de governo nacionalista catalão de direita. A esperança dos catalães no novo governo é enorme. À partida era visto por muitos como uma salada russa inconsistente, pois era formado pelo partido socialista (federado no PSOE), pela ERC (esquerda republicana da catalunha)- um partido nacionalista (diz-se de esquerda, mas para mim é o elo fraco da aliança pela sua demagogia)- e pela Iniciativa pela catalunha/Verdes/Esquerda Unida – o velho PSUC – partido comunista da catalunha (federado no PCE), renovado, coligado com os verdes e que se define como partido eco-socialista.

Aparentemente estas forças deveriam entrar em contradição, mas a dinâmica que se tem observado é precisamente a contrária – há um conjunto de politicas sociais que são partilhadas pelos 3 movimentos e a pressão a que são submetidos pela direita na oposição faz com que a coesão entre estes partidos tenha vindo a aumentar e desde que o executivo começou a funcionar já foram aprovadas várias medidas de carácter social importantíssimas. Alguns amigos meus dizem-me que em 4 meses fizeram mais politica social que os conservadores catalães nos últimos 10 anos. Antes da coligação ser estabelecida, todos apostavam que não passava do Natal. Mas hoje, toda a gente reconhece a sua coesão e a sua coerência. A demagogia que por vezes vinha ao de cima na ERC (e às vezes ainda vem) não se tem reflectido na acção governativa de nenhuma maneira.

Fica portanto este exemplo. Provavelmente é uma singularidade, mas acho
que já é hora da esquerda portuguesa abandonar um certo sectarismo e do PS abandonar a sua obsessão pelo “centro” – que, por corrupção da linguagem política e mediática – é, de facto, a direita.

Saudações ibéricas

João Guerra

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