Estaria ansioso? Parecia olhar mais avidamente para o cimo da avenida no seu lento vai-vem cinco passos a subir, cinco a descer. De vez em quando, ao mudar de sentido, espreitava o relógio ou ajeitava os óculos ou mexia no bolso. Lá está ele, mais uma suave meia volta nos calcanhares e nova subida… nova descida. Não há sequer uma montra de jeito naquele pedaço de rua, apenas uma loja para alugar.

Antes de apanhar o autocarro e de ali o deixar, notei que reparou nos outros que esperavam do outro lado da avenida. Um velho alto de nariz no chão, um rapaz sentado no banco da paragem de cotovelos nos joelhos e rosto apoiado na concha das mãos, semi-escondido atrás de uns óculos de sol, e duas mulheres fardadas, preparadas para regressar à base da Limpex, a empresa ganha-pão bem visível nas letras garrafais quase florescentes que cobrem metade das vestimentas.

Ao fim de alguns minutos parecia estar meio tonto, apesar de estar à sombra e nós ao sol. Parou e quase juro que lhe vi um tremor, talvez um início de vertigem. Sossegou… Olhou então para um prédio lá mais no cimo da avenida. Perscrutou-o de baixo a alto. Fixou-se finalmente no céu que neste dia se tingira de um azul invulgar. Invulgar para centro de cidade, bem entendido.

Estaria mais calmo? O relógio de novo. Não há dúvida que esperava. Esperava talvez por ela, a mulher imperturbável, eterna, que sempre fez esperar os homens. A tal de que se atreveu a falar num livro. Que seja digna da primeira e lhe ofereça uma irrepreensível desculpa que lhe permita a melhor bonomia de que qualquer homem, em espera, algum dia tenho sido capaz.

É mesmo o escritor, o tipo. Esteve agora ali na têvê. Um “gajo porreiro”. Já lá vem o autocarro. Boas noites!

(Mário de Carvalho a Ana Sousa Dias)

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