O Jaquizinhos passou por aqui e perante o meu estado de desacorçoamento depois de ontem ter passado pelo Liberdade de Expressão tenta chamar-me para o campo do esforço intelectual. O pretexto mais próximo é a medição das consequências do aumento da licença de maternidade em vários planos: a das preocupações com o planeamento familiar e com o planeamento das empresas. Pergunta-me o JCD:

Rui, mas porque é que o bom senso te soa atroz?
Tens alguma dúvida que o aumento do período de maternidade “aumenta os incentivos à discriminação” e que “Ninguém gosta de contratar empregados que podem passar 4 meses e meio sem trabalhar.”?
Uma coisa é acharmos que a medida é boa porque protege as mães em maternidade. Outra é reconhecermos que quanto maior é a protecção à maternidade, maior é o incentivo à não contratação de mulheres em idade de serem mães.
Diz-me lá: contratavas uma mulher para tomar conta do teu negócio, sabendo que ela se ia ausentar por 4 meses? E se fossem 12?

Eis a resposta.
Deixa-me fazer uma síntese.
1. O problema já existia – existindo licença de maternidade haverá sempre incentivo para que não se contratem mulheres em idade de procriar – portanto, com a nova proposta do Ministro estamos a falar da magnitude do incentivo e não de um novo problema.

2. Por outro lado, ter uma mãe (os pais!) junto do filho nos primeiros anos de vida é reconhecido como um dos aspectos mais importantes para o são desenvolvimento da criança e da família. A crescente sensibilização para o reconhecimento da importância desse facto parece contudo inversamente correlacionada com o surgimento de condições objectivas que permitam aos pais dispor de tempo para essas tarefas. O modelo de organização social, a forma como se equilibram as relações laborais parecem caminhar cada vez mais para a impossibilidade desse objectivo sem que com isso se ponham em causa as ditas relações laborais. Num país onde a percentagem de mulheres empregadas a tempo inteiro, em idade fértil, atinge um dos mais altos níveis do mundo dito desenvolvido, o problema surge acrescido. O equilíbrio de mercado parece assim identificar um elo mais fraco sistemático. Faltará aos empregados engenho e arte para inverterem esse caminho?
Numa conferência sobre a população a que assisti há três anos em Helsínquia, uma das conclusões mais repetida nos estudos feitos na Europa ocidental apontava para um desejo estável das mulheres quanto ao número de filhos pretendidos. O número de filhos efectivamente tidos diminuía contudo sistematicamente. Os estudos, a carreira e as obrigações profissionais surgiam como o principais motivos para essa discrepância. Notem que falo de países onde há maiores tradições de trabalho parcial nos mais diversos sectores de actividade económica. Cá o problema é tendencialmente mais grave.

3. Temos finalmente o problema da viabilização da actividade económica das empresas que contratam jovens em idade fértil que poderão ter de se ausentar durante um longo período.

Dito isto vamos à resposta:
O que é o bom senso? Ora o bom senso de que fala o JCD tem em conta apenas um destes problemas, uma das partes. Se eu considerar como razoável, desejável, inevitável (!) a internalização de alguns custos sociais na função de custos de qualquer empresa observarei o meu bom senso de outra forma, com outra premissas. Ter jovens mães com direito a licença de maternidade não é um factor exógeno, deve ser interpretado como um dos aspectos da responsabilidade social de uma empresa (não dispare já JDC, leia mais um bocadinho).
A forma como o Liberdade de Expressão e o Jaquinzinhos põe os empresários a encarar o problema é diversa, dão-lhes o direito de recusarem essas preocupações limitando o âmbito do seu bom senso a um problema microeconómico onde a maternidade (ou qualquer matéria de responsabilidade social : creches, refeitórios,etc) como uma imposição exógena ao problema económico. Pôr as coisas nestes termos (e notem que ainda não estamos a discutir o que poderia ser um decisão equilibrada para os interesses em conflito), pôr as coisas nestes termos, dizia, é que me parece totalmente desprovido de bom senso. O meu bom senso tentará assim não ser nem o bom senso do empresário, nem o bom senso dos pais, mas algo que resultará duma tentativa de equilíbrio dos dois.

Que soluções?
Um dos argumentos possíveis é garantir a internalização do custo “licença de maternidade/paternidadeâ€?, ou seja, algo que seguramente o Jaquinzinhos chamaria saltar da frigideira para o fogo, pois exigiria uma intervenção adicional do Estado que, perante, a efectivação da discriminação das jovens férteis, obrigaria as empresas a contratar uma quota de jovens proporcional ao seu peso na população activa… Digamos que não vou tão longe, a solução seria potencialmente gravosa em termos de eficiência na alocação de recursos humanos… Mas já agora vejam bem: se os empresários achassem a ameaça desta imposição como real e se fossem absolutamente racionais deveriam pensar duas vezes antes de discriminarem negativamente as jovens. Mas como sabemos o espírito de curto prazo domina entre a maioria da classe empresarial: enquanto o pau vai e vem folgam as costas, por isso… Outro aspecto em que se reflectem as vistas curtas do algum empresariado (e este na minha opinião bem mais nefasto) é a incapacidade de verem oportunidades naquilo que apenas consideram como imposições do Estado. Será que nunca passaria pela cabeça do JCD e do Liberdade de Expressão reverter aquilo que consideram uma falta de bom senso (apenas imaginam como uma perda de competitividade imposta sem apelo nem agravo à empresa) como uma potencial oportunidade que se poderia traduzir num ganho de produtividade? A satisfação no trabalho e o rendimento de cada trabalhador vai bem além das horas trabalhadas, ou passadas na empresa. Assim como as necessidades do trabalhador e a sua satisfação passam hoje por muito mais do que o vencimento ou o prémio de produtividade no final do ano. Mais uma vez ponho em causa a racionalidade de tantos e tantos empresários. A lentidão com que o mercado se apercebe desses ganhos comparativos em gerir uma empresa com balanço social é inacreditável. Algures no modelo de mercado deve existir uma falha, talvez haja assimetria de informação, falta de estatura dos gestores, não sei, mas impressiona-me que haja bons resultados em termos de rácios de produção em algumas empresas socialmente conscientes sem que haja, contudo, uma disseminação desse fenómeno. Talvez no longo prazo o mercado livre lá chegue, talvez mas prefiro não deixar os meus bisnetos esperarem para ver. O Estado vai apelando repetidamente através da consertação social para os aspectos de responsabilidade social sem grandes resultados. A tentação para legislar aumenta, naturalmente.

Bom, mas recentremo-nos no assunto retendo que o custo para a empresa de ter de suportar um trabalhador que se ausenta por alguns meses para ter um filho (por exemplo 6 em vez dos obrigatórios 4) poderia ser revertido numa boa campanha que lhe estimularia a produtividade dos empregados e poderia até servir de moeda de troca em termos salariais ou de atracção adicional para quadros que lhe interessasse contratar. Um bocadinho de criatividade e boa gestão de custos poderia ser surpreendente. A questão é que este mundo quase ainda não existe e as empresas não têm tipicamente preocupação de planeamento familiar.
Temos outros problema enquanto comunidade: criar condições para a manutenção da população do país, atenuando um envelhecimento galopante, bem como, a educação familiar prestada às crianças, ambos aspectos que põem em risco a qualidade de vida e o bem estar social.
Como intervir? Qualquer solução para ter sucesso exigirá alguma revolução de mentalidades junto dos empresários. Disso não tenho dúvidas. Esse tipo de revoluções não se decretam por lei mas podem ser estimuladas. Nomeadamente através do código de trabalho.
Hoje temos licenças obrigatórias de 4 meses e um período com direito à redução de duas horas do horário de trabalho ao longo do primeiro ano de vida do bebé (acho que é isto). Ora bem, se o problema é a discriminação negativa a que as mulheres são sujeitas e não a necessidade de haver um período de maior acompanhamento por parte dos país aos filhos pequenos, não me chocaria liberalizar o gozo do direito e a criação de várias opções negociáveis sujeitas a algumas restrições que poderia melhor ajustar as vontades específicas dos país e dos empregadores.

Vejamos por pontos alguns problemas/soluções:
1.
O aleitamento. Este aspecto distingue algumas das mães (nem todas podem aleitar) dos pais. Logo será difícil e não desejável contrariar em absoluto esta discriminação em qualquer medida criada. Podemos é contrabalançá-la com outra discriminação idêntica a favor do pai. Num ápice deixaríamos de ter discriminação. Nos primeiros 4 meses e meios ninguém vai trabalhar, nem pai nem mãe e a empresa que pague o vencimento, que tal? Bem, tentemos algo menos abrupto…

2. O contacto com os país nos primeiros meses é tido como demasiado importante para poder ser recusado por estes. Para evitar abusos no relacionamento com o empregador o carácter não negociável de um período de tempo de possibilidade de presença com os filhos parece-me correcto. É triste mas se calhar é melhor. As alternativas em que se apela ao bom senso entre as partes têm resultados conhecidos como já referi acima.

3. O factor idade tem muitos outros aspectos onde se valoriza a juventude em prejuízo das faixas etárias mais envelhecidas pelo que encarar a paternidade como uma discriminação negativa pode até ter um efeito interessante na gestão de recursos humanos. Uma vantagem comparativa para quem já formou família ou já não terá tantas probabilidade de o fazer. Quantas vezes ouvimos a fraseâ€? Velho de mais para recomeçar, novo de mais para se reformar?â€? Podíamos juntar outros ditados populares à nossa história 🙂

4. Resta então atenuar o ónus tido por tantos como negativo que recai sobre a jovem potencial mãe. Ora julgo que a lei já permite que seja o pai e não a mãe a gozar a licença e se assim for, à luz da lei, não há discriminação nenhuma. Havendo essa possibilidade, o empregador não tem já hoje tanta certeza quanto à relação sexo/licença de paternidade… Logo, à luz da lei, não há discriminação nenhuma, aumentar o prazo (como propõe o ministro) não seria, teoricamente, um agravar da situação como pressupus no início e pressupuseram JCD e o João Miranda.

5. Mas temos a estatística e esta diz-nos que em regra são as mães a usufruir da licença. Isto acontecerá por razões culturais, talvez até seja recomendado fisiologicamente, mas também pode acontecer por excessiva rigidez da lei que não permite que o período da licença possa ser intercalado entre os pais. A lei permite que sejam os pais a escolher, não permite que por exemplo estes dividam a ausência permanente de um deles por um período dos dois em part time, por exemplo. Julgo que a lei também não prevê uma maior flexibilidade nas formas de relacionamento laboral nos primeiros três anos de maternidade que poderiam passar por uma maior facilidade em acordar o regime de trabalho (por exemplo, o direito do trabalhador em requerer um regime a tempo parcial com perda proporcional do vencimento, ou mesmo a licença sem vencimento).
Enfim, acho que há muitas reformas necessárias e até testadas noutros países (mais e menos liberais) que poderíamos explorar tentando equilibrar o balanço económico e social da nossa vida em comum. Dando uma ajudinha a pais empregados e empregadores. Esse é o esforço de bom senso que defendo.

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