(republicado – 1ª edissão 2003-12-21 14:38:07)

Mais uma sindicância…
Bem sei que não sou especialista em direito (qualquer tipo de direito) e admito que haja alguma história relevante que não conheça quanto ao processo mas, enquanto leitor de jornais e cidadão interessado sem acesso a informação privilegiada, não posso deixar de sublinhar pela positiva o que li no destaque do suplemento de Negócios de ontem do Diário de Notícias.
Celeste Cardona actual Ministra da Justiça
António Costa, impulsionador da reforma em questão enquanto ministro da justiça do governo PS

O Ministério da Justiça actual deu seguimento à reforma do Código de Processo Administrativo que havia sido desencadeada e largamente preparada pelo anterior ministro António Costa. Houve alguns atrasos, perdeu-se um, talvez dois anos, com a mudança de governo e as suas respectivas prioridades mas julgo que o fundamental está assegurado. Aproveitou-se o que se considerou uma boa reforma e na prática aproveitou-se a reflexão e o trabalho de alguns anos que já havia envolvido diversos actores com responsabilidades e competências na área.
Pelo que leio no artigo de Margarida Bon de Sousa no Dn, muito vai mudar no relacionamento do cidadão com o Estado particularmente em situações em que ambos se constituem como partes numa contenda judicial.

O Estado perde alguns privilégios absurdos de que usufruía, podendo ver-se obrigado a pagar coimas, assumir o rosto de responsáveis de carne e osso. Noutro sentido, a inoperância, a burocracia ou mesmo a má fé por parte do Estado deixará de ter consequência tão nefastas como até agora no exercício (celeridade) da justiça pelos tribunais, prevendo-se efeitos significativos em favor da transparência e agilidade económica quando estão em causa concursos públicos e intervenções do Estado sobre propriedade privada. Pelo que leio, vamos ficar mais iguais e vamos perdoar menos também pela via judicial a incompetência do Estado.

No meio de tantas críticas e desmoralizações que levam à descrença colectiva, ou fui muito bem enganado pelo que li, ou temos aqui um bom exemplo que devemos elogiar e que nos deve servir de algum consolo e estímulo que não deve ser do todo insignificante.

Deixo em anexo o artigo do Diário de Notícias.

Empresas ganham direitos à Administração Pública

MARGARIDA BON DE SOUSA

A relação entre o Estado e os privados vai mudar substancialmente a partir de 1 de Janeiro de 2004, data em que entra em vigor o novo Código do Processo Administrativo. Uma das maiores inovações prende-se com a entrada em vigor de uma aplicação informática nos tribunais que possibilitará aos advogados consultarem os processos em que se encontram envolvidos através de uma simples password.

Outra mudança. Deixa de haver acções contra o Estado no abstracto, para passarem a existir destinatários finais completamente identificados, como os ministérios ou os organismos com personalidade jurídica. Se o privado se enganar nesta identificação, cabe ao próprio tribunal encontrar a entidade correcta, não deixando, por isso, a acção de ser acolhida.

O juiz pode também aplicar uma sanção pecuniária compulsória ao funcionário público, dirigente da administração pública ou mesmo a um membro do Governo, sempre que isso seja necessário para obrigar a cumprir uma sentença ou para que o processo instrutório seja enviado para o tribunal dentro de prazos razoáveis. Estas multas vão oscilar de 5% a 10% do salário mínimo nacional, situando-se actualmente entre os 17,5 e os 35 euros por dia.

A Administração Pública passa também a ter de pagar custas quando perde. O que significa que terá de pensar duas vezes antes de recorrer, situação que hoje é comum na esmagadora maioria dos processos em que se encontra envolvida.

As novas regras pretendem pôr cobro à situação que se vivia até agora neste campo e que davam a primazia à forma, em detrimento do conteúdo. Ou seja, sempre que havia um engano num prazo ou uma formalidade não cumprida, o queixoso podia perder, ainda que tivesse razão.

O novo Código introduz, por isso, uma grande clarificação do que deve acontecer durante todo o processo e os actos que podem ser impugnados. Deixa também de ser exigível a obtenção final de um acto definitivo e executório para impugnação de uma decisão. Ou seja, passa a poder-se impugnar qualquer acto desde que este tenha eficácia externa.

COMPENSAÇÕES O IVA e o IRC também vão poder ser utilizados na compensação de indemnizações a pagar pelo Estado. Esta medida insere-se no objectivo de facilitar a execução das sentenças proferidas pelos tribunais e prevê que se um determinado ministério ou uma pessoa colectiva pública tiverem um crédito sobre um particular, este possa ser utilizado para pagar a indemnização.

A simplificação processual abrange outras situações. Se hoje um particular quiser fazer vários pedidos ao tribunal tem de o fazer separadamente, em processos distintos. A partir de Janeiro passa a poder fazê-lo num único processo, desde que os pedidos tenham relação entre si.

A própria administração pode ser condenada por litigância de má fé, se o juiz entender que houve um comportamento processual excessivamente inadequado. Neste caso, o magistrado pode também aplicar uma multa.

O juiz pode também decidir mais rapidamente, logo na fase inicial do processo, se considerar que tem elementos suficientes para suportar a sua decisão.

PROVIDÊNCIA CAUTELAR Outra das inovações prende-se com a possibilidade de um particular que processe o Estado poder solicitar uma providência cautelar enquanto aguarda a decisão do tribunal. Por exemplo: uma agência de viagens que tenha visto a sua licença recusada por um organismo público pode pedir a atribuição provisória dessa mesma licença enquanto aguarda decisão judicial.

A informatização dos processos administrativos vai também dificultar que dois tribunais decidam de maneira diferente sobre casos semelhantes. Haverá ainda mecanismos, inspirados na lei do processo administrativo espanhol, que possibilitarão aos particulares ganharem os seus casos sem terem de ir a tribunal, sempre que demonstrem à Administração Pública que em cinco casos idênticos a Justiça decidiu no sentido da sua petição.

E se vários particulares colocarem a mesma questão, o presidente pode fazer aplicar mecanismos de processos em massa, para lhes dar um tratamento mais célere e semelhante.

Formação profissional só arranca no próximo ano

O novo Código do Processo Administrativo foi elaborado quando António Costa era ministro da Justiça e previa a criação de 10 novos tribunais administrativos de círculo e um segundo tribunal central de segunda instância no Porto. Outra das condições prévias à entrada em vigor das novas regras era a aquisição de uma aplicação informática para gerir todos os processos que dessem entrada na Justiça. Um terceiro requisito prévio prendia-se com a formação dos juízes e dos oficiais de justiça no sentido de se adaptarem ao novo programa informático. A aquisição do programa informático à Deloite & Touche só foi concretizada muito recentemente – devendo ser anunciada pela actual ministra da Justiça no início de Janeiro, pelo que a formação profissional só será dada já com as novas regras em vigor. João Tiago da Silveira, um dos mentores das alterações durante a tutela de António Costa, considera que estes atrasos terão repercussões na aplicação imediata das novas regras, mas deverão ser recuperados ao longo de 2005.

Diário de Notícias, Suplemento de Negócios de 20 de Dezembro de 2003

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