O défice que me perdoe mas crescimento é fundamental!
In Canal de Negócios

António Mendonça
O défice que me perdoe mas crescimento é fundamental!
amend@iseg.utl.pt
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Tornou-se por demais evidente que o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) se revelou um instrumento ineficaz para assegurar o cumprimento das regras de coordenação das políticas orçamentais impostas pela gestão conjunta do euro.
A recente decisão do Ecofin de relaxar a aplicação de sanções à França e à Alemanha pelo não cumprimento dos limites fixados para o défice orçamental vem tornar dramaticamente evidentes duas situações de fragilidade do desenvolvimento actual do processo de integração europeia.

A primeira prende-se com a inexistência de uma política efectiva de coordenação macroeconómica a nível comunitário, suportada em objectivos estratégicos claros e num orçamento quantitativamente credível para apoiar o lançamento de projectos europeus integrados, de médio e longo prazo, orientados para a promoção do crescimento na Europa, incluindo a correcção das inevitáveis assimetrias entre países.

Com efeito, tornou-se por demais evidente que o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) se revelou um instrumento ineficaz para assegurar o cumprimento das regras de coordenação das políticas orçamentais impostas pela gestão conjunta do euro. Concebido mais para limitar as tendências laxistas por parte dos países menos desenvolvidos, entre os quais Portugal, do que para abrir caminho a uma maior integração de objectivos e de resposta conjunta a problemas, o PEC não resistiu à primeira grande prova de fogo provocada pelos efeitos da actual recessão económica sobre os países mais fortes da União Europeia.

A segunda fragilidade prende-se com o papel da actual Comissão Europeia e com a inexistência, de facto, de um verdadeiro órgão de dinamização de iniciativas de âmbito comunitário. Paradoxalmente, numa fase maior de desenvolvimento quantitativo e qualitativo do processo de integração europeia é quando se revela a total incapacidade da Comissão de antecipar a evolução dos acontecimentos e de propor as medidas necessárias para evitar chegar às situações de descredibilização do projecto de integração europeia como a que se viveu na última reunião do Ecofin.

Em vez de apelidar o Pacto de “estúpido” e deixar tudo na mesma, teria sido muito mais útil dinamizar um processo de adequação das regras do Pacto à evolução da situação económica, acomodando e integrando as inevitáveis medidas anti-cíclicas, postas em prática nos diferentes países mais afectados pela recessão e preparando o caminho para uma maior coordenação e integração das políticas orçamentais. Poder-se-á contra-argumentar que, na prática, foi isso que aconteceu na reunião do Ecofin e, em parte, não deixa de ser verdade, mas a credibilidade das decisões e dos compromissos aí assumidos seria, seguramente, maior se se tivesse evitado o desrespeito, imposto pelas necessidades dos mais fortes, das regras acordadas por todos.

As mais recentes previsões económicas, da Comissão Europeia e da OCDE, (ver Quadro 1) apontam para a inversão das tendências recessionistas ao longo de 2004 e 2005. De entre as projecções de crescimento, não deixa de ser surpreendente a revisão em alta das taxas de crescimento do produto americano que, no caso da OCDE, apontam para 4,4% em 2004 contra 2,2% para a U.E. e 1,6% para o Japão.

Se olharmos para a evolução das principais economias mundiais nos anos mais recentes é claramente visível o maior desempenho da economia americana, com excepção do ano de 2001, ano em que a recessão bateu forte. Mas também é notória a despreocupação com que os americanos têm olhado para o défice orçamental que rapidamente evoluiu de uma situação de excedente, vivida no período de expansão da presidência Clinton, para uma situação de défice crescente desde, precisamente, o ano de 2001, e que se projecta para a casa dos 5%, pelo menos até 2005 (ver Quadro 2).

Pode-se dizer que, no caso dos EUA, a política macroeconómica anti-cíclica tradicional encontra o pleno espaço de aplicação. Não apenas no plano monetário, com as mais baixas taxas de juro desde os anos 50, mas também no plano orçamental onde a entrada em recessão fez automaticamente disparar o défice para valores que, em termos absolutos, para termos uma ideia da sua dimensão, representam cerca de seis vezes o PIB português! E não se ficam por aqui os americanos no afã proteccionista dos seus interesses económicos como o demonstra a aplicação de sobretaxas à importação de aço e de outros produtos concorrentes dos produzidos em território americano ou no modo como deixam o dólar depreciar-se significativamente, dando aos europeus a ilusão de que é o euro que se está a apreciar.

Talvez seja a constatação da descolagem da economia americana que levou franceses e alemães a inverterem prioridades em matéria de política económica interna e a colocarem o combate à recessão como preocupação central. No entanto, a via seguida não foi seguramente a melhor do ponto de vista do interesse geral da União e poderá ter consequências desastrosas nos planos da credibilidade e eficiência das instituições comunitárias e da confiança recíproca entre os países-membros.

Em todo o caso não adianta “chorar sobre o leite derramado” e o que importa é seguir em frente recuperando a outra componente do Pacto que aponta precisamente para a importância de considerar o crescimento como uma preocupação central da cooperação económica no espaço da União, abrindo por esta via espaço para a afirmação das dinâmicas de inovação e competitividade que têm faltado em muitos dos sectores da economia europeia quando comparados com os seus congéneres americanos e asiáticos.

Se a recuperação da dinâmica de crescimento é essencial para o sucesso do projecto de integração europeia e de afirmação da União no contexto das tendências actuais de globalização, no caso de Portugal esta necessidade assume contornos verdadeiramente dramáticos. Com efeito, desde 2001, como é fácil constatar pelos quadros juntos, a economia portuguesa enveredou por um processo de divergência face à média comunitária que, tudo indica, terá um ponto culminante este ano com uma das maiores quebras do produto da sua história recente e continuará, de acordo com as projecções, pelo menos até 2005.

Continuar a apostar no equilíbrio orçamental como objectivo prioritário, neste contexto, corre o risco de deixar de ser obsessão para passar a ser puro suicídio. Portugal precisa de passar rapidamente para taxas de crescimento significativamente superiores à média europeia o que implica uma inversão completa de objectivos e prioridades em matéria de política económica. Todos os esforços devem ser concentrados no sentido de promover o investimento interno e externo, de apoiar as empresas e os sectores mais dinâmicos nos seus processos de internacionalização, de consolidar bases nacionais de inovação e desenvolvimento de produtos e processos de produção, de consolidar e alargar a base produtiva real da economia.

Dar prioridade ao crescimento não significa transigir em matéria de despesismo ou da necessidade de continuar a assegurar o controle do défice público mas, simplesmente, reconhecer que as reformas estruturais necessárias à criação de condições para uma efectiva consolidação orçamental só poderão ser realizadas com plena eficiência em ambiente de dinamismo económico.

In Canal de Negócios

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