Hoje de manha a TSF pegou num programa de apoio à integração social nos bairros suburbanos portugueses, lançado em 1999 e fez dele notícia. O programa Escolhas. O actual governo tem pendente a decisão quanto à manutenção do dito plano.

Não conheço a trabalho de campo e as suas consequências pessoalmente mas pelo que ouvi hoje na TSF parece ter um papel meritório no acompanhamento de jovens e famílias que enfrentam problemas de integração/exclusão/pobreza (chamem-lhe o que quiserem), nomeadamente promovendo ocupação de tempos livres dos jovens através de actividades que contribuem para o seu processo educativo e a sua formação cívica.

É extremamente difícil quantificar as vantagens deste tipo de iniciativas. Quantos jovens deixam de cair na criminalidade? Quantos evitam a toxico-dependência? Quantos conseguiriam vingar na vida e contribuir activamente para a sociedade se não tivessem quem lhes desse a mão, fazendo algo tão simples como ocupar-lhes as tardes em actividades de grupo (educação física, trabalho de grupos, ensino musical, redacção de um jornal, projectos em suporte digital…) com orientação profissional e empenhada de instrutores? De forma mais abstracta: o que se ganha ao retirar estes jovens da rua onde estão completamente desapoiados aguentando com a ausência dos pais (quando não de um pai) que podem muito bem estar a trabalhar muito honestamente, tentando com dificuldade assegurar a viabilidade financeira do lar?

Como digo, é extremamente difícil quantificar os ganhos destes programas pelo que quando ouço que gastar um euro num programa do género do Escolhas é 20 ou 30 vezes mais vantajoso do que investi-lo no aparelho judicial (polícias, tribunais e prisões) não levo os números muito a sério. Penso que essa contabilidade não é muito relevante… Digamos que me basta confiar na intuição e na evidência empírica ou conhecimento antropológico básico para estar à partida convencido da vantagem do investimento na prevenção em relação ao investimento na coerção/repressão/ exercício da ordem pública.

Há dados mais à mão como o número de crimes, de toxico-dependentes, de detenções, de sero-positivos, de polícias na rua, de prisões e sua lotação, de novos sistemas de segurança… Número mais facilmente esgrimiveis na arena política. Números mais “mediáticosâ€? que muitas vezes pela sua manipulação são um caminho seguro para instilar o medo e, numa segunda fase, angariar mais alguns votos pela atitude mais militarista que está à mão de semear.
É ainda muito fácil confundir estes números com outras discussões que para muitas destas situações concretas ou vêm a destempo ou são completamente despropositadas (como as que se referem à imigração).
No entanto, os números ocultos ou potenciais estão lá, deixarão o seu carácter virtual se o permitirmos e, muito raramente, encontram nas medidas quantificáveis em polícias e prisões o seu mais seguro inimigo.

A batalha pela percepção da dimensão real dos problemas, pela percepção real dos riscos e pelo entendimento informados das soluções disponíveis é desigual. É demasiado fácil falar em mais policiamento após um evento violento mediático como uma assalto a um comboio. É bem mais complicado admitir que uma parte fundamental da solução não se obtém com um estalar de dedos e passa por um trabalho continuado, determinado, de proximidade, de envolvimento das comunidades de proveniência de muitos dos indivíduos que se violam a ordem pública que todos prezamos. Muito frequentemente encaramos o problema como se houvesse dois lados, duas concepções antagónicas de solução. Em virtude de preconceitos ideológicos (?) e da escassez real e incontornável de recursos públicos, domina a lógica de custo benefício numa formulação completamente enviesada, onde os indicadores possíveis impedem objectivamente a valorização dos muitos dos aspectos positivos da prevenção em favor da lógica da dissuasão/persuasão coerciva. Onde o exemplo da falha na eficácia de uma medida pela chico-espertice de alguns (lembro-me do rendimento mínimo que apesar de tudo tem uma concepção distinta de algo como o programa Escolhas) serve de argumento supostamente arrasador da utilidade de toda acção, anulando as vantagens de qualquer medida.

Tenhamos uma concepção mais ou menos paternalista do papel do Estado parece-me muito complicado negar lucidamente que há um factor relevante de responsabilidade comum a partilhar ou, numa perspectiva talvez mais consensual, há um problema que tem a potencialidade de nos afectar a todos. Optar por intervir além da função coerciva do Estado é, contudo, uma atitude que nos tempos que correm pode muito menos no imaginário dos eleitores se estes forem bombardeados pela exploração mediática do assalto, do assassinato do discursos marginalizante e algumas vezes racista, seja qual for o sentido da evolução dos grandes números que apontem para a redução da criminalidade, do consumo de drogas, dos conflitos sociais…

A politização apresenta aqui uma das suas facetas mais nefastas e usualmente serve-se da irracionalidade que estimula para ignorar a evidência daquilo que me parece ser um caminho límpido que passa necessariamente pelo esforço de integração activo da colectividade sobre grupos muito localizados e específicos da população residente.
Hoje, no decurso de uma situação particularmente complicada em termos económicos este tipo de intervenção mais localizada do Estado é particularmente relevante e deve ser encarado como prioridade. Esperemos, portanto, que não venha, ao invés, a merecer um desprezo particular pelo poder político, vitimado por mais alguma desonesta e/ou estúpida contabilidade financeira. Falemos de métodos racionais e astuciosos de evitar ao mínimo os oportunistas mas não viremos as costas à evidência.
É preciso que o Estado consiga ver um palmo à frente do nariz.

Discover more from Adufe.net

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading