Nuno Arantes de Oliveira é o autor de um texto diagnóstico da situação da biotecnologia e do investimento em Investigação e Desenvolvimento no nosso país.
Além de dar aqui destaque ao texto publicado no suplemento de Economia do Público da passada segunda feira que tomo a liberdade de reproduzir em anexo (o link desaparecerá em breve), sublinho os factores críticos para o sucesso da indústria da biotecnologia (sectores de investimento a longo prazo de elevado retorno e alto risco) que o autor destaca:

“(…)a sobrevivência das empresas de biotecnologia depende grandemente de dois tipos de solução: o primeiro é a intervenção de grandes empresas, por exemplo farmacêuticas, que apostem em inovação e que queiram “servir-se” das “start-ups” de biotecnologia como janela para novas oportunidades tecnológicas. Foi isto que determinou, em grande parte, a emergência da biotecnologia em países como a Suécia ou a Irlanda. O segundo factor tem a ver com a existência de investidores especializados, geralmente fundos de Capital de Risco, que se dedicam a financiar projectos empresariais jovens, de base tecnológica. Deste tipo de investidor espera-se um perfil e uma postura específicos, que lhes permitam fazer investimentos substanciais a longo prazo, compreendendo o mercado e a tecnologia que formam a base dos projectos. (…)â€?

Sucede que, tal como adianta o autor, nenhuma desta soluções se encontra disponível acima dos níveis críticos em Portugal pelo que é necessário fazer um esforço de captação de atenções junto de agentes externos (um esforço necessariamente coordenado pelo Estado) e, adicionalmente, fomentar o investimento continuado em investigação e desenvolvimento que atinge valores muito inferiores aos dos nossos concorrentes directos.

Há uma infra-estrutura quase invisível a completar nesta área. Além da necessária aposta na instrução vocacionada para a investigação e desenvolvimento, via sistema de ensino, creio que o Estado (que o dinheiro dos contribuintes), pode e deve ser aqui investido com fundadas esperanças de criação de valor, combinando a contratualização com os centros de conhecimento e o necessário investimento de risco.
O intuito final deverá ser o de contribuir para construir, pacientemente, uma cultura de criação de conhecimento junto do tecido empresarial português encontrando novos sectores de actividade por onde desenvolver a economia nacional. Tanto quanto sei, esta não tem sido uma aposta relevante do actual executivo, talvez indirectamente o seja na vertente de captação de investimento estrangeiro, mas pelo que se conhece da história recente das relações com o exterior (que se revelam um interesse externo insuficiente), pelo grau ainda embrionário dos agentes económicos numa actividade de ponta caracterizada por grandes riscos e grandes competitividade, parece ser um esforço insuficiente.
Falta talvez um valente empurrão?

Economia do conhecimento tarda em dar provas do seu potencial
A Infância Prolongada da Biotecnologia em Portugal
Segunda-feira, 15 de Dezembro de 2003

Quatro anos depois da revista Nature Biotechnology ter declarado que o país tinha “aberto as suas fronteiras” ao sector, as empresas então consideradas bons exemplos tiveram dificuldades em crescer, as “start-ups” contam-se pelos dedos da mão e não se vêem casos claros de sucesso internacional de produtos nacionais

Nuno Arantes e Oliveira*
Em Março de 2000, um artigo publicado na prestigiada revista científica Nature Biotechnology declarava no título que Portugal tinha “aberto as suas fronteiras” à biotecnologia. A peça falava do crescimento no número de doutorados em áreas científicas relacionadas com a biotecnologia, da emergência de programas de promoção do empreendedorismo, dos parques de ciência e tecnologia (C&T), e de medidas para a promoção de Investigação e Desenvolvimento (I&D) no tecido industrial. O tom era de esperança e optimismo; os problemas existentes tinham sido identificados e seriam resolvidos – a biotecnologia em Portugal poderia estar prestes a passar à fase adulta.

Passados quase quatro anos, como é que evoluiu a biotecnologia em Portugal? Mesmo as empresas que já na altura eram consideradas os bons exemplos do sector tiveram dificuldades em crescer, apesar do mérito inegável dos seus pioneiros fundadores. Poucas “start-ups” surgiram entretanto, e quase nenhumas com a intenção explícita de desenvolver novas tecnologias. A biotecnologia continua a representar uma ínfima fracção dos projectos propostos aos parques de C&T, e não se vêem casos claros de sucesso internacional entre os produtos da biotecnologia feita em Portugal. Será que o país está condenado a não ter uma verdadeira indústria biotecnológica? Será que para progredir vamos forçosamente depender da inovação produzida por outros? E será que o investimento na base científica, em particular nas ciências biológicas e afins, nunca irá trazer benefícios visíveis à economia nacional? A resposta a todas estas questões poderá ser não; mas para que o seja é útil perceber primeiro o que é a biotecnologia (ver caixa), e quais serão os factores-chave a ter em conta para que a situação melhore.

Factores críticos de sucesso…
A biotecnologia é um sector difícil e complexo. Os ciclos dos seus produtos são extremamente longos, e as receitas só surgem por vezes ao fim de alguns anos. A isto junta-se o facto de as empresas exigirem investimentos de monta, devido sobretudo aos custos do trabalho de I&D. Trata-se de um sector de alto retorno, mas de alto risco também. Por esta razão a sobrevivência das empresas de biotecnologia depende grandemente de dois tipos de solução: o primeiro é a intervenção de grandes empresas, por exemplo farmacêuticas, que apostem em inovação e que queiram “servir-se” das “start-ups” de biotecnologia como janela para novas oportunidades tecnológicas. Foi isto que determinou, em grande parte, a emergência da biotecnologia em países como a Suécia ou a Irlanda. O segundo factor tem a ver com a existência de investidores especializados, geralmente fundos de Capital de Risco, que se dedicam a financiar projectos empresariais jovens, de base tecnológica. Deste tipo de investidor espera-se um perfil e uma postura específicos, que lhes permitam fazer investimentos substanciais a longo prazo, compreendendo o mercado e a tecnologia que formam a base dos projectos.

Talvez o principal desafio que a biotecnologia enfrenta hoje em Portugal seja a angustiante indisponibilidade, ao nível nacional, de cada uma destas duas soluções. Por um lado quase não existem actores industriais de grande dimensão que procurem inovação biotecnológica, e à sombra dos quais novos projectos inovadores possam florescer. Por outro lado não existem entidades financeiras vocacionadas para a biotecnologia. Embora existam fundos de capital de risco em Portugal, nenhum demonstra uma orientação adequada especificamente à biotecnologia. Na ausência de um número suficiente de empresas ou casos de sucesso, compreende-se que seja hoje arriscado, para um investidor, dedicar-se prioritariamente à biotecnologia em Portugal.

… para sair do círculo vicioso
Como sair deste círculo vicioso, onde a ausência de empresas trava o surgimento de investidores especializados e vice-versa? Tal como noutras situações, teremos de olhar para fora de Portugal, de modo a gerar benefícios internamente. Seria positivo criar condições para que grandes multinacionais farmacêuticas se instalassem em Portugal, não para distribuir os seus produtos localmente, mas para fazer I&D de ponta. Existem zonas do país – como Oeiras – que apresentam condições favoráveis à fixação de multinacionais farmacêuticas: parques tecnológicos com boas infraestruturas, institutos de investigação biológica de alto nível, concentração de doutorados, etc.. Mas para que uma indústria de biotecnologia cresça em Portugal de forma sustentada é preciso mais. É preciso que as tecnologias que surjem nos nossos centros possam ser desenvolvidas por projectos empresariais, com objectivos ambiciosos e bem definidos. Importa que os melhores (bio)empreendedores portugueses vislumbrem soluções para que os seus projectos cresçam para além das fases embrionárias de dependência de subsídios governamentais. Para isso a melhor solução poderá ser mais uma vez a atracção de entidades estrangeiras – desta feita sobretudo fundos de capital de risco especializados – para investir, directa ou indirectamente, na biotecnologia feita em Portugal. Para tal é importante criar um clima de confiança, em que os grandes investidores da biotecnologia mundial se sintam motivados a actuar em Portugal. Isto só acontecerá se os principais actores locais, em particular o governo, fizerem da biotecnologia uma verdadeira prioridade estratégica e apontarem, de forma inequívoca, o sector como um dos principais motores do ressurgimento económico do país.

Como nota de conclusão, e correndo o risco de constatar o óbvio, há a lembrar que nenhum sector de base tecnológica florescerá em Portugal se não se mantiver e acelerar, por bons e largos anos, o investimento na investigação científica de base. O combate aos problemas aqui descritos será inútil se, em simultâneo, Portugal menosprezar a sua ciência. O crescimento no número de doutorados e outros indicadores tem sido positivo, mas de modo nenhum suficiente. Só um investimento público continuado na investigação científica, ladeado por iniciativas que atraiam indústria e capital estrangeiro, poderão permitir à biotecnologia feita em Portugal sair, finalmente, da infância em que há muito se encontra.

*Investigador de pós-doutoramento no Centro IN+ do IST

Colabora̤̣o INTELI РIntelig̻ncia em Inova̤̣o

Artigo do suplemento de Economia do Público 15/12/2003

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