Para desenjoar dos números da Economia estive a ler na diagonal os cenários demográficos das Nações Unidas, ontem divulgados. (Disponível aqui).
Constato que a ONU utilizou como base para o cenário uma população residente em Portugal no ano 2000 de 10.016 mil indivíduos. Ora logo aqui a base está claramente sub-avaliada e, pior ainda, a correcção da subavaliação deveria implicar algum rejuvenescimento do contingente e consequentemente da idade média (padrões de fecundidade) desse mesmo contingente pois, tal como se desconfiava em 1999-2000, haviam entrado no país e aqui fixado residência (entretanto largamente legalizada) perto de 250 mil imigrantes. No final do primeiro trimestre do ano 2001, o INE, através do recenseamento geral da população actualizou todas as estimativas e indicou residirem em Portugal, à data do recenseamento, 10.356.117 indivíduos. Um valor em si claramente superior ao máximo que a ONU projectava para 2010, ou seja 10.082 mil residentes. Só por aqui, devido a este historicamente anormal incremento populacional via fluxo migratório (conhecido há cerca de três anos), demonstra-se, logo no primeiro dia após a publicação, que as premissas utilizadas pela ONU para traçar o cenário para Portugal estão gravemente enviesadas. Mas enfim, já sabem como é, para o relatório ter saído ontem, já devia estar concluído há alguns meses (anos?), entretanto, andou em escrutínio junto de um batalhão de diplomatas, talvez mesmo de sucessivos comités de espertos internacionais…Há ainda que considerar que estudar o mundo não é simples, há sempre muitos compromissos técnicos a fazer para permitir uma reconhecidamente limitada comparabilidade. Mas não é sequer isto que me move neste relato.
O que me move é o que se extrai levianamente do estudo, algo que trai o trabalho de quem produz a estatística. Atribuir ao estudo um carácter de profecia escatológica é desmoralizador e potencialmente paralizante.
Ainda que sujeito a poderosas forças de arrasto onde o efeito das decisões de hoje terão consequências duradouras significativas, o fenómeno demográfico é claramente mais dinâmico e imprevisível do que o adivinhado no tom fatalista que encontrei em tantos e tantos órgãos de comunicação social que divulgaram acriticamente o estudo. É possível e conveniente fazer algo sabendo para onde se quer ir. É esse o aviso que nos deixam estas previsões.

P.S.: Aproveito para saudar as Nações Unidas pela disponibilização gratuita e relativamente detalhada dos dados e respectivas hipóteses de trabalho. Um exemplo a seguir e a melhorar.

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