O outro défice
ou
Por que raio hei-de pôr o lixo no Eco-Ponto?

Os produtos reciclados tem valor económico directo – são matéria prima para fazer papel reciclado, vidro, metal, combustível, etc – além de um valor dificilmente quantificado pelos prejuízos que se evitam pelo seu processamento (mais) eficiente.
Mas quem quantifica esta última parcela do custo sabendo que a unidade de medida tem de ser monetária? Este passo é fundamental para implementar o princípio do poluidor-pagador por exemplo… Aparte o apoio técnico que um grupo de engenheiros, economistas e afins pudessem dar, a tarefa no final é iminentemente política. E como sabemos há quem faça escola no governo de grandes países (grandes poluidores) em desprezar esse custo na factura da administração do planeta. O paradigma mais popular desta opção política é sem dúvida o presidente dos Estados Unidos da América mas tem muita companhia. Provavelmente para estes lideres o valor económico directo é desprezável (quando comparado com o apurado na produção de futuro lixo) e o “indirectoâ€? não se enquadra nas premissas dos estabilizadores automáticos providenciados pela estreita lógica de omnipotência do mercado.

Ora bem, pagar já nós pagamos, quer directamente (através da taxa de saneamento básico de cada Câmara, através dos impostos), quer indirectamente (cof cof, infecções, cancros, intoxicações, perda de beleza do meio ambiente, etc, etc) e ainda assim o problema não se resolve, agrava-se. Em Portugal, dizem as estatísticas, o número daqueles que recicla é mínimo… Mesmo com democracia, mesmo com o mercado a funcionar. Algo está a falhar…
De certeza que há solução, ou mesmo soluções…
A indústria da reciclagem já existe, mas o bem lixo não respeita (ou parece não respeitar) as premissas de uma qualquer matéria prima. Este é oferecido, não sem esforço, por quem o produz a um intermediário que o vende. Quanto vale um quilo de papel, um litro de óleo alimentar queimado?…
Sem pensar o estado destas coisas, o que poderíamos fazer para resolver as falhas?
Por exemplo, pagar ainda mais de taxa resolve o problema do não processamento para reciclagem? Que certeza temos em que um aumento na taxa municipal me vai estimular a separar o lixo? Se o vizinho não reciclar a taxa sobe na mesma… Não identifico uma relação directa, tenho de racionalizar a coisa e muitos de nós não estamos para isso, limitamo-nos à sensibilidade imediata para avaliarmos e escolhermos as nossas rotinas do dia-a-dia.

Uma amiga meio a brincar, meio a sério disse-me que se recusava separar gratuitamente o lixo e posteriormente colocá-lo no respectivo ponto de recolha a custo zero. “Não há gajos que ganham dinheiro com o meu lixo? Se me pagassem uma parte do seu valor eu investia tempo e dedicação em seleccionar, acondicionar e entregar o lixo. Porque o meu lixo tem retorno, como pode ter retorno a garrafa e algumas outras embalagensâ€?. Ainda argumentei “Então e a tua preocupação com o meio ambiente, esse seria um teu contributo activo para teres um mundo melhorâ€?…. Está bom de ver que a moça me atirou à cara o vizinho free rider que dá cabo do esquema.

E de facto, pensando bem, porque não consideramos esta hipótese? Se além de campanhas de sensibilização (úteis para que todos percebamos o que está em jogo, que todos “lucramosâ€? com a interiorização do princípio do não desperdício e nos consciencializamos dos custos do nosso lixo) houvesse uma retribuição equivalente a uma percentagem do valor directo do lixo depositado talvez fosse mais fácil e seguro derrotar as lixeiras e reduzir a pressão sobre o planeta. Seguramente que não seria lucrativo produzir lixo para depois ganhar o valor da reciclagem mas seria confortante perceber que o custo de não reciclar é bem maior do que o de sermos os nossos próprios lixeiros.

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