Adufe 5.0

As armas do meu adufe não têm signo nem fronteira
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As armas do meu Adufe,
não têm signo nem fronteira.

Bem-vindo ao Adufe 5.0


No ar!

20.09.2003 por Rui Cerdeira Branco Categoria As Crónicas e os Contos

I

“…finalmente música na antena, vejam se se lembram destas…
«Is this the real life, / is this just fantasy / Caught in a land-slide / No escapes from reality.»â€? * O som foi sem dúvida o que primeiro me atraiu para a rádio. Podia ter sido a cor do aparelho que estava lá no alto, no cimo da mesa da cozinha, podiam ter sido os inúmeros botões e manipulos que mal adivinhava, mas não, no início foi apenas o som. Era totalmente diferente dos que conhecia. Entretanto, vieram os livros de B.D., a escola, a brincadeira e a correria, os deliciosos anúncios na televisão e os desenhos animados… Durante algum tempo, a rádio permaneceu, apenas, vagamente presente. Fui crescendo e os botões do aparelho de rádio começaram a ser mais atraentes. Girar a rodinha de sintonização era extremamente divertido; adorava engasgar as vozes que ouvia e deturpar a música que tocavam com o ruído do espaço vazio da FM.

II

«I can’t seem to face up to the facts / I’m tense and nervous and I can’t relax / I can’t sleep ‘couse my bed’s on fire / don’t touch me I’m a real life wire!» *
Com o tempo, fui tendo cada vez mais liberdade para escolher e ditar qual a rádio a ouvir. Existindo apenas um rádio com FM em casa, tive que vencer as naturais resistências dos meus pais que, com as suas preferências já definidas, não viam qualquer sentido em errar pelas ondas. Ainda assim, consegui descobrir diferentes sons musicais, comecei a descobrir toda a informação que se fazia e, fundamentalmente, descobri maneiras totalmente diferentes de fazer rádio. Infelizmente, também não demorei muito tempo a descobrir que eram apenas quatro ou cinco as emissões nacionais. Então, comecei a reexplorar todos os botões do rádio e a conhecer novos “maresâ€?. Acreditam que o que mais ouvi nessas frequências desconhecidas foi a conversa de pescadores portugueses e espanhois?! Nada de BBC, nem de Deutsch Wella, nem de Radio Luxembourg como prometiam as letras coloridas do mapa de sintonias, apenas um linguajar estranhíssimo entre comandantes de traineiras e emissões em código dignas dos ritmos “Dance Musicâ€?.

III

«Lembras-me uma marcha de Lisboa / num desfile singular / quem disse que há hora
e momento para se (…)»*

…Informar. No final da década de oitenta surgiram as “rádios piratasâ€? e entre elas aquela que incontestavelmente deixaria a primeira grande marca de mudança no panorama rádiofónico nacional. Falo de uma emissora sediada em Lisboa que, como tantas outras, atravessou tormentas e tempestades e enfrentou batalhas quase ignoradas tendo conseguido, como poucas, chegar até hoje, com a essência do que lhe deu fascínio, ainda intacta : a TSF Rádio Jornal.
Os Dias da Rádio haviam regressado a Portugal, não só devido ao grande abanão dado pela TSF-RJ, nem à sã maluqueira dos brasileiros da Rádio Cidade, mas, fundamentalmente, devido às centenas de emissoras que surgiram como cogumelos um pouco por todo o país. Aliando a este factor o fenómeno paralelo da redescoberta da rádio pelo próprio ouvinte, esta viu relançado o seu papel na sociedade portuguesa, recuperando um lugar que fora perdendo, progressivamente, desde o aparecimento da televisão. Para o ouvinte, era espantoso ver aparecer um novo “pirataâ€?, quase todos os dias, com as ideias mais incríveis, mostrando um enorme gozo no que estava a fazer.
Os meses foram passando e os atropelos de frequências sucederam-se mas, ainda antes do grande silêncio do natal de 88 – altura em que as emissões “piratasâ€? foram proibidas- houve tempo para se ir compreendendo até que ponto pululavam trabalhos interessante, diferentes e desde logo notados como indispensáveis à rádio portuguesa.

IV

“…and if I die before I wake pray the lord my soul to take.â€? *
Certo dia de manhã, estava um rapazinho ainda deitado, gozando as férias e o finzinho dos seus 12 anos, quando ligou o recém adquirido radio a pilhas e viu mais do que a luz vermelha do aparelho, “viuâ€? Lisboa a arder. Pulou da cama e correu para a cozinha ligando o, já velho, transistor “tamanho famíliaâ€?. E foi então que aconteceu uma coisa fantástica, pelo menos para uma criança de doze anos. Não haviam passado cinco minutos de empolgante e aterrador directo feito da zona do Chiado e o rádio começara literalmente a arder, sempre sem se calar. Imaginem o que passou pela cabeça deste inocente ouvinte! Só consta que tenha dito: “Fixe!â€?.

“If it be your will that I speak no more, and my voice be still as it was before; I will speak no more, I shall abide until I am spoken for, if it be your will.â€? *
A “piratariaâ€? acabou e quando a lei foi escandalosamente reposta – quem estava atento então sabe ao que me refiro – os novos dias da rádio em Portugal estavam institucionalizados. Não mais deixei de ouvir a surpreendente TSF – que nem só de sínteses noticiosas se faz esta rádio, não senhor -, mas também nunca abandonei a minha alma de navegador errante. Actualmente colecciono pérolas na lutadora XFM [texto de 1995] e em qualquer outra emissora que me prenda nos breves segundos em que lhe faça abordagem no percurso dos 87.5 aos 108 Mhz.

V

“ I’d sit along and watch your light / my only friend through teenage night / and everything I had to know / I heard it all in my radio.â€? * Aí por volta dos 16 anos passei a fazer algo que conscientemente sempre recusara fazer: conhecer o mundo da música. Sempre ouvira música e ia já muito longe o primeiro arrepio na espinha que ela me provocara, posso até dizer que era mesmo um amante de música, mas totalmente desinteressado, mesmo da mais corriqueira intriga acerca desta ou daquela estrela pop. O que eu sei é que, desde então, tenho tido um gozo danado em redescobrir – porque muitas das vezes é disso que se trata – os grupos, cantores e músicos que encheram o â€?eterâ€? nos últimos vinte anos. Não raras vezes, tenho tido a surpresa espantosa de descobrir que, ainda que inconscientemente, tinha grupos e interpretes favoritos.
Mas nem só o aparelho auditivo “explodiuâ€? com 16 anos, também a cabecinha começou a girar mais depressa. Interrogar, reflectir e explorar a informação que ia ouvindo pela rádio tornou-se um passatempo estimulante. Bem mais estimulante do que ler um livro, pensava eu – hoje evito a comparação.
A comparação que faço é entre a rádio de hoje e a que ouvia à 7, 8 anos. Na minha opinião, apesar dos muitos projectos já abortados, o balanço final, ou seja, o que é feito pelo ouvinte, só pode ser positivo. Neste momento, temos excelentes rádios generalistas, temos excelentes rádios especializadas, no fim de contas, temos emissões para todos os gostos. [1995] E digo isto, porque de entre os três grandes meios de comunicação social que me ocorrem – televisão, rádio e imprensa – este é, sem dúvida, o que, no seu processo de desenvolvimento, melhor preencheu todo o conjunto de eventuais «nichos de mercado» ao seu dispor. Em suma, foi o que melhor os detectou e foi o que demostrou melhor capacidade em os completar. Há, no entanto, uma grande nuvem negra que ameaça este cenário. Paradoxalmente, a indústria radiofónica esqueceu-se, até muito tarde, de algo que não escapou à preocupação dos outros dois meios de comunicação: a publicidade. Houve graves erros de gestão comercial em inúmeras rádios e, principalmente ao nível da publicidade radiofónica, chegou-se até a acreditar num esgotamento criativo que não estimulou nada o investimento dos anunciantes. Nesta altura e falando apenas como simples ouvinte, começo a ficar surpreendido com o humor e originalidade de alguns anúncios que surgem [1995]. Talvez o humor de qualidade não esteja longe de nós e uma escola de publicidade humorística radiofónica surja em Portugal – facto, em si, nada inédito na história da rádio mundial.

VI

No meu papel que é o de receptor, ouço rádio com um espírito profundamente crítico, tentando não perder de vista a capacidade de ser arrebatado pelo que recebo. E nesses momentos especiais lembro-me da magia particular de uma visão ingénua da rádio:

No ar!
Imagino um barco que navega suspenso sobre as ondas,
sempre no ar, sem as tocar…
Imagino-o a passar pela minha praia, cheio de gente!
Ainda não tenho histórias para contar…
Que se esconde por detrás daquelas vozes? Como é aquele olhar?

A rádio continua a gerar paixões e, se não acreditam, resigno-me a espicaçar o comum ouvinte que me lê a que descubra as pérolas no mar da rádio, porque as há, ainda que por vezes no mais insuspeito dos atóis. Descubram, inquietem-se, sobressaltem-se. Nunca somos demais.

* As frases em itálico são excertos de poemas de (por ordem de aparição):
Queen, “Bohemian Rapsodyâ€?; Talking Heads, “Psico Killerâ€?; Trovante, “Memórias de um beijoâ€? ; Leonard Cohen, “If it be your willâ€?; Metallica, “Enter Sandmanâ€? – excerto da Oração da Noite praticada pela generalidade dos cristãos; Queen, “Radio GAGAâ€?

Linha de Sintra, ao som da rádio, 11 de Setembro de 1995 (proto-blogue portanto)
*************************

Uma memória.
E depois surgiram os blogues…
Na altura em que escrevi este texto ouvia diariamente a Ã?ntima Fracção, hoje recuperei essa paixão. Afastei-me sabendo sempre que no meio da noite estava lá um cantinho acolhedor, pleno de capacidade para provocar deslumbramento, apenas pelo som. Um cantinho de grandes janelas onde entrava, nesse entretanto, quase sempre de surpresa, quase sempre com comoção. Imaginando por vezes o além da voz, imaginando quem partilhava esta intimidade nos seus outros cantos…

Pouco para dizer, muito para escutar, tudo para ouvir. A Cristina Fernandes e o Mário Filipe tomaram a iniciativa de tentar coleccionar ideias para a continuidade da Ã?ntima Fracção. No meio da noite não é o silêncio… é o barulho do coração

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