Benquerença, 2 de Agosto de 1997, férias de Verão em casa dos avós.

Parecia ser uma tarde normal de Verão, uma tarde de calma, de uma calma de derreter os ossos como as anteriores, quando de repente… Bom, de repente viu-se um filme repetido: partiu-se o céu ao meio e caiu-nos uma descarga de água e de electricidade em cima.
Um repâmpago-trovão de cegar os olhos e vibrar os pulmões iniciou a função. A chuva torrencial abafou o ar, amoleceu as moscas e pôs os humanos pensativos. Com a trovoada tão perto muitos aproximaram-se de Deus; como se diz: ficaram mais tementes a Deus. Eu continuei de mata-moscas na mão, mais implacável do que antes, bravamente à espera do raio castigador, talvez.
Com a falha da electricidade a reconversão de alguns católicos da família consumou-se de facto. «Ah! Se houvesse mais tempestades na cidade, mais cortes de energia… Como as igrejas se encheriam novamente, como todos se reduziriam à sua insignificância e descobririam o verdadeiro valor da vida», pensei divertido e enfadado. Adiante.

Com a falha da electricidade a reconversão de alguns católicos da família consumou-se de facto. «Ah! Se houvesse mais tempestades na cidade, mais cortes de energia… Como as igrejas se encheriam novamente, como todos se reduziriam à sua insignificância e descobririam o verdadeiro valor da vida», pensei divertido e enfadado. Adiante.
Pôs-se mais um rachão na lareira, acenderam-se algumas velas e as histórias de outras trovoadas tiveram o seu lugar com o ambiente «al dente». Isto dá que pensar, Diário: sem televisão, sem rádio, sem coragem para deixar os beirados das casas, as estórias que pareciam pertencer irremediavelmente presas à memória individual de algumas poucas e antigas crianças que por aqui ainda andam, brotam imediatamente à velocidade de um interruptor accionado, provenientes dos mais improváveis contadores.

Contou-se a estória daquela vez em que um raio caiu na antena da televisão e em que a casa ia ardendo. Acabado este conto passou a apelar-se a Santa Bárbara a cada nova descarga com crescente clamor.
A um canto, o meu pai recontou-me a história do grande carvalho da sua meninice que eu ainda conheci. Deixo-te aqui, querido diário, uma estória de ternura, e de fascínio.

Era uma vez um menino pequenino que era um pequenino pastor. Bom, a verdade, verdadinha não era bem essa. O menino andava na escola como os outros meninos e por isso, antes de mais nada, era um menino, mas, nas férias, como muitos outros meninos da sua aldeia, este era pastor. De manhã levava o rebanho de ovelhas e cabras a passear pela serra. Aí o gado passava o dia a encher a barriga com os petiscos que só são bons para cabras e ovelhas. O menino cuidava delas encaminhando-as para os melhores pastos e protegendo-as de algum perigo sempre com a ajuda dos seus dois cães pastores: a Estrela e o Tejo. Durante o dia o menino arranjava tempo para brincar sozinho e com outros pequenos pastores que encontrava. Trepava às árvores, descia às fragas, dormia de barriga ao leu aquecido pelo sol, acendia fogueiras quando o dia vinha fresco. Era imensamente feliz excepto quando às vezes a fome apertava e o Verão se engasgava nalgum temporal. Uma vez, num desses temporais de Verão o menino assistiu a uma coisa bem de pasmar.

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