“Bastava que se criassem crianças como se cria o gado e com o mesmo destino que este: vendidas no matadouro pelo melhor preço.â€?

Há já uns anos que não lia o texto de Swift que aqui republiquei alguns posts abaixo.
Os tempos de crise são conhecidos por apadrinharem grandes feitos. E à sua medida estas poucas páginas de Swift parecem-me um grande feito, pelo menos da política e literatura em inglês. Neste caso milhares de irlandeses morriam (e morreram mesmo) de fome devido à epidemia que atacou a base da sua agricultura (a batata) e devido ao extremo zelo da potência dominante em agravar a situação com impostos e indiferença. Confesso que entre as duas leituras me licenciei em economia e…

Caramba! É impressão minha ou uma belíssima parte dos fundamentos da economia estão claramente esboçados nestas poucas páginas de Swift? E de forma formalmente escorreita e inteiramente lógica? Uma boa parte dos fundamentos e maior parte ainda das linhas de orientação de política económica mais populares dos nossos dias.
Abstraindo-nos de preceitos morais, éticos e religiosos é difícil contrapor a lógica problema/ regulamentação-via-mercado/ solução que transparece deste texto chocante de Swift.

Sacrificando o insacrificável mas fazendo-o ainda assim, apresenta-nos uma solução que eliminada essa parcela é claramente positiva para todos. A Irlanda deixaria de sofrer de fome, aborto, balaça comercial deficitária (já havia os primeiros sinais de globalização na época), desequilíbrio orçamental (o tal défice que também a nós nos apoquenta), papistas (seria a primeira limpeza étnica da época moderna?), falta de boas maneiras (consta que com tantos filhos havia graves problemas educacionais), etc, etc. E a auto-estima de toda a nação (servos e servidos) atingiria níveis elevadíssimos. Nada poderia correr mal. Bastava que se criassem crianças como se cria o gado e com o mesmo destino que este: vendidas no matadouro pelo melhor preço.

O desafio do professor de história do 12º ano – a quem “dediquei” a republicação do texto no post -, após ter resolvido mandar o programa curricular para o lixo, foi precisamente impor aos alunos a mais violenta das críticas que pudéssemos conceber sem que para tal se usassem argumentos éticos, morais ou religiosos… Uma forma, no entender do docente, de “vos preparar para algumas surpresas da faculdade e arredores“.
Querem fazer a experiência?

Adam Smith escreveu a sua monumental obra “A Riqueza das Nações” alguns anos depois… Cá para mim este professor de filosofia política (e, mal sabia ele, de Economia) era leitor assíduo de Swift, só pode!

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